segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Conversas de café

Um dos meus passatempos preferidos é conversar, especialmente num sítio onde haja café. Acho que é um hábito muito português que adquiri precisamente por ter vivido tantos anos em Portugal. Chamo-lhe passatempo, mas o intuito das conversas não é apenas passar o tempo. Isso é só uma consequência (nefasta) que advém de nos estarmos a divertir e, na verdade, de querermos que o tempo não passe depressa.

Estou cá há mais de um mês e as únicas conversas de café que tive aqui não envolveram café. Foram duas, essas conversas, e com dois desconhecidos: o médico da família Sena e um dos dentistas da família.

O que diz isso sobre mim? Primeiro, que não sei falar a língua local. Segundo, que quem fala a língua local ou não sabe inglês ou não percebe o meu inglês. Terceiro, que a maioria dos temas de conversa que presenciei e que percebi não me interessaram. Minimamente. Quarto, que não conheço ninguém aqui que se interesse pelo que eu me interesso. Quinto, que em Portugal tenho amigos espectaculares.

O meu inglês parece ser muito diferente do inglês goês. A maioria das pessoas com quem tenho de falar em inglês não me percebe logo à primeira volta. Às vezes à segunda também não, o que é um problema quando se me esgotam os sinónimos. Depois eu também não as percebo a elas. Aparentemente o meu sotaque americanizado não cai bem nos ouvidos goeses, e o sotaque dos de cá, konkanizado, também não conquistou ainda a minha compreensão. Na maioria das vezes acabo por usar só o sujeito e o verbo com a ajuda de gestos para ver se me faço entender e lá vai resultando.

Às vezes as coisas correm mal. Um dia, fomos pôr gasolina. Aqui há funcionários que fazem isso, como acontecia antigamente em Portugal. Eu disse que eram 400 rupias. Houve ali um qualquer mal-entendido e ele programou a máquina para 1000 rupias. A minha mãe tinha na mão uma nota de 1000 rupias. Talvez ele a tenha visto e em vez de processar o que eu disse tenha processado o que os olhos viram. Passaram as 400 rupias e a máquina não tinha parado. O senhor estava a aviar outros clientes. Tivémos de o chamar. Houve ali um momento de mal-estar, porque ele disse que eu tinha pedido 1000 rupias. Eu não me pude defender porque nesse dia não usei gestos como habitualmente. Sempre que dito números uso os dedos para corroborar e nesse dia não o fiz. Depois de algum tempo em que o senhor ouviu poucas e boas da minha mãe, lá pagámos.

Aqui há sempre a possibilidade de sermos mal entendidos. Usamos códigos de comunicação diferentes. Temos hábitos diferentes. Eu sou parecida com os locais; tenho o mesmo tom de pele, a mesma cor de cabelo, talvez algumas outras semelhanças; mas sou tão estrangeira como os brancos de pele vermelha que vejo nas praias. Com esses brancos eu teria mais probabilidades de conseguir ter uma conversa de café. Com os locais teria de ter uma conversa de chá, porque aqui o café não vale grande coisa, porque aqui tenho de ser menos estrangeira porque, como dizem os portugueses, quem está mal que se mude. 

Eu vou tentar mudar-me, mas só um pouquinho, porque entretanto apeguei-me a ser estrangeira aqui também. Deve ser porque em Portugal fui estrangeira por 28 anos.

Vanessa

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