quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Capital humano


Eu pensei que estivesse muito mal habituada por vir da Europa, mas até o médico da nossa família demonstrou o tipo de frustração que é inevitável sentirmos aqui. Falo do fenómeno do depois de amanhã. Em Portugal, é costume pedir-se coisas para ontem. Aqui, isso é para esquecer. Aqui pedimos para amanhã e só se tivermos muita sorte é que isso se concretiza. Há 15 dias, era suposto vir alguém para medir as nossas janelas. Nunca o vi. O tanque de água demorou três dias para chegar, depois de uma reclamação e uma ameaça de cancelamento do negócio. O que veio montar o tanque apareceu de tarde quando disse que vinha de manhã. Esqueceu-se de não sei quantas ferramentas que teve de ir buscar. Esqueceu-se do berbequim e teve de voltar no dia seguinte. Não tinha cimento para tapar os buracos que ficaram e voltaria no dia seguinte. Isso foi há 3 dias.

Aqui, fecha-se para a sesta. As pessoas levam muito a sério as suas pausas. Se por um lado são vendedores vigorosos e insistentes, daqueles que me fazem desviar muitos metros tal como em Portugal fazia para não cair nas garras dos vendedores de cartões de crédito dos centros comerciais, por outro, no que toca à pausa, não são de todo capitalistas. Não interessa se a praia está cheia de turistas. Se é hora de ir tomar um chá, não há qualquer perspectiva de negócio importante o suficiente. Há alturas em que qualquer proprietário português com contas para pagar escolheria manter aberto o seu negócio. Aqui não tem importância.

Aqui no subúrbio o capital humano é a maior riqueza económica. Há um mecânico, um padeiro, um cabeleireiro, um supermercado que para mim é mini, uma papelaria. Há um de cada e não há muita concorrência nas redondezas. Não sei se por não serem propriamente indianos, mas goeses, os negociantes aqui parecem quase menosprezar os clientes se interferirem com a sua rotina. Os indianos são negociantes natos. São eles que mexem depois a economia, com as poupanças que acumulam. Os goeses investem também, mas porque pelo menos uma pessoas da família está a trabalhar no estrangeiro. Parece-me que estou aqui numa realidade paralela, onde há extremos, mas não meios-termo.

Consigo traçar aqui um paralelo com Portugal, mas de uma forma mais radical. Uma vez que os cérebros acabam por emigrar, aqueles que ficam são dedicados ao local onde ficam, ou então não conseguem ir também embora, ou então estão à sombra de algum tacho. Enquanto aqui estou, é uma questão de sorte encontrar aqueles que ficam por escolha e por dedicação.

Vanessa

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