quarta-feira, 29 de novembro de 2017

50 sombras de inveja

Acabo de ler uma página do livro Fifty Shades Darker, cortesia de umas pessoas que não hesitaram em divulgar online uma tórrida cena em que o casal da saga erótica As Cinquenta Sombras pára de cozinhar para atender a certas necessidades físicas prementes e o protagonista desliga o fogão e diz à moça protagonista para colocar o frango no frigorífico. Por entre as piadas sobre a bizarra preocupação com a higiene e segurança alimentar ou sobre a ausência de uma linha de diálogo que indicasse que os protagonistas lavaram também as mãos antes de partir para acções que não as culinárias, apercebi-me de que invejo a autora dos livros, E. L. James.

Não só as suas estórias foram inspiradas noutra famosa saga, como a fama das suas estórias chega a ultrapassar a do trabalho que as inspirou, e além disso poder-se-ia dizer ainda que se tornaram famosas as suas fantasias íntimas, e fantasias deve ser coisa que com certeza dará menos trabalho a escrever do que uma tese. Nunca li nenhum dos livros nem vi os filmes, mas até já fiz pouco da senhora pelo que sei do enredo. Ainda assim, tenho-lhe inveja, primeiro pelo seu ofício e segundo pelo seu sucesso. Diga-se o que se dizer, E. L. James é bem-sucedida porque há muitas pessoas que lêem os seus livros e isso é invejável para quem, como eu, nunca se pôs a concretizar o seu ideal profissional com afinco por falta de tempo, insegurança, etc.

Claro que, convenhamos, a inveja diz apenas respeito a isso, ao sucesso num ofício como o da escrita. Pela minha parte, vou continuar a considerar os livros como exemplos de misoginia, um reflexo triste da sociedade actual, e a acreditar em quem diz que a escrita de E. L. James é equivalente à de uma criança de 10 anos. São coisas que me fazem sentir mais aliviada por momentos. Um pouco como atender à higiene e segurança alimentar dos alimentos para depois fritá-los e enchê-los de sal. Alívio momentâneo, sensações muito piores a seguir.

Vanessa

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

O preço do pão pode aumentar 20%

Senti hoje que acordei na twilight zone. Primeiro porque não só surgiram inúmeras notícias sobre o aumento do pão, como a maior parte dos jornais cita que foi o Correio da Manhã que avançou a notícia, e como os profissionais da panificação alegadamente dão como razão um aumento dos custos na indústria, custos esses que não chegam aos 5% (assim por alto, juntando argumentos como o aumento do salário mínimo, dos combustíveis, do gás e da electricidade), mas que vai justificar um aumento de supostamente 20% com uma carcaça a poder custar em Lisboa 24 cêntimos. Eu chamo a isto o milagre da multiplicação do preço do pão.

Maria Antonieta, rainha francesa que certo dia em 1789, face às más colheitas que tiveram como consequência o aumento do preço do pão, recomendou ao povo: "se não têm pão, que comam brioches" estaria orgulhosa de Portugal. Afinal de contas, o pão já hoje em dia chega a ser mais caro que certos bolos, especialmente se for daquele com farinhas integrais e com as sementes da moda, por isso mais vale de facto comer bolos.

Quem se vai ver aflita com isto do aumento do preço do pão é a indústria da manteiga. Sem pão na mesa, barrar uma fatia de pão com manteiga vai ser exclusivo da classe alta. Ou das telenovelas, onde há sempre aquelas mesas fartas onde as personagens conseguem encaixar diálogos durante o acto de barrar manteiga e as pessoas têm tempo para tomar o pequeno-almoço em família, e usam dois pratos e três copos porque há café e sumo e água e um monte de talheres, e depois não têm de passar uma hora a lavar a loiça.

Ironicamente, a política do pão e circo do Império Romano usada para alienar as massas dos problemas políticos é hoje precisamente o que consciencializa o povo acerca de toda a conjuntura. A opinião pública está mais informada e com certeza ciente das repercussões de um aumento na escala dos 20% de um elemento tão importante na mesa portuguesa. A par do pão, também os ovos vão encarecer, e sabe-se lá mais o quê.

Mas se por um acaso também a farinha aumentar de preço num futuro próximo, solicito que a indústria panificadora siga o exemplo da Finlândia e passe a usar farinha de grilo na confecção do pão. Não só fica mais barato, como tem proteína, o que pode colmatar a falta dos ovos e de todos os outros produtos que serão mais caros no futuro, e além disso é isento de glúten, o aparente inimigo público número um a seguir aos aumentos de preço. É que só circo não puxa carroça, e comer bolos dá cabo da produtividade. 

Vanessa

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Sexta-feira colorida

Black Friday ou Sexta-Feira Negra é um termo vindo do outro lado do Oceano Atlântico, dos Estados Unidos, que designa a abertura da época de compras de natal após o Thanksgiving ou Dia de Acção de Graças. O termo foi utilizado pela primeira vez pensa-se, em 1951. Na época, os registos financeiros eram escritos à mão e tinta vermelha significava perdas e tinta negra significava lucro. A partir da década de 1960, a polícia norte-americana designava como negra a esta época devido ao trânsito e aos incidentes trazidos pelo alvoroço das compras. Os comerciantes motivam ainda mais o alvoroço com descontos supostamente únicos. Hoje em dia, é essa uma das vantagens do dia. No fundo, a Black Friday tem conotações positivas mas também negativas.

Com a globalização, o termo é usado em Portugal e as principais cadeias comerciais aderiram às campanhas promocionais para atrair os consumidores. Eu cá nunca comprei nada na Black Friday, muito sinceramente porque só faço compras quando preciso e a bem dizer as coisas só se estragam nas piores épocas, ou seja, nunca nesta altura de descontos. Além disso, faço por me afastar das zonas comerciais quando há alguma efeméride. Já para não falar nas músicas de natal irritantes que depois ficam no ouvido e não saem nem por nada.

Por isso, as minhas sextas-feiras supostamente negras são sempre mais coloridas, porque tudo o que é sítio onde não se vendam coisas com descontos está muito mais sossegado. As ruas dos subúrbios estão calmíssimos, há menos gente na rua, se bem que pode ser do frio, e há na generalidade paz e sossego, que é o que se quer. Mas no dia em que os cafés aderirem à Black Friday, aí está o caldo café entornado. Se calhar devia mas é aproveitar os descontos para comprar uma máquina cafeteira daquelas que funcionam com cápsulas. Just in case.

Vanessa

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Ponto de saturação

Vi o filme Liga da Justiça (Justice League no original) e como sempre senti-me vagamente insultada. Tem sido recorrente sair do cinema assim, com a sensação de que o filme foi razoável e teria ficado feliz a fazer qualquer outra coisa. A praga dos filmes razoáveis é para mim como um insulto pessoal. Estamos numa fase em que há tanta potencialidade tecnológica que deveriam existir mais filmes espectaculares. A questão é que a par dos efeitos especiais está o enredo, e o enredo muitas vezes ou é negligenciado a favor do estilo ou o estilo é tão grandioso que afoga o enredo. No caso da Liga da Justiça foi um pouco de ambos.

Além disso estou saturada de filmes com super-heróis. Quase todos, até os da Marvel, sofrem de falta de maus da fita. Afinal de contas, um filme é tão bom quanto o seu vilão. Só que de vez em quando há um filme da Marvel que rompe com a tradição e mostra algo mais como o Logan ou o mais recente Thor. Depois uma pessoa fica mal habituada, vai ver filmes razoáveis ou medíocres, e sai do cinema a sentir que perdeu tempo.

Não ajuda que as produtoras reciclem conteúdo (reboots) e recriem personagens, repesquem estórias antigas para as continuar ou para as explicar com sequelas ou para expandir com séries, ou simplesmente copiem o que já foi feito mas agora com efeitos especiais e actores da moda. Onde pára o conteúdo original? 

Suspeito que a continuarmos assim, vou dar um grande avanço na minha lista de livros para ler.

Vanessa

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Lá vai o comboio

No Japão, a empresa Metropolitan Intercity Railway Company pediu desculpas publicamente porque um dos seus comboios partiu 20 segundos mais cedo. Entretanto, a empresa portuguesa CP deve ter ouvido a história e sentiu-se inspirada para antecipar por meia hora o último comboio intercidades que sai de Santa Apolónia em direcção ao Porto, que a partir de 10 de Dezembro vai partir às 21.30h em vez das 22h. 

Tenho um grande orgulho na CP. Os comboios em Portugal funcionam às mil maravilhas, tal como no Japão. Além do mais, quem tiver pressa de ir de Lisboa para o Porto que apanhe um avião. O planeta agradece.

Nota: Às vezes é melhor recorrer ao sarcasmo do que dizer-se o que se pensa.

Vanessa

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Encontros imediatos de grau embaraçoso

Às vezes vejo pessoas que frequentaram a mesma escola que eu, caras conhecidas que me transportam para um passado que parece distante. Admito que sinto uma ponta de superioridade quando vejo os mais atraentes e populares da escola agora com ar desleixado e/ou uns quilinhos a mais, ou com uma catrefada de filhos mais giros do que agora eles estão, ou os mais arrogantes em serviços de atendimento ao público com a bolinha baixa. Não é um sentimento lá muito bonito, eu sei, mas é difícil evitar quando penso no antes e no depois.

Depois há aquele momento em que estás a olhar para algum lado e no teu raio de visão está um antigo colega de turma e como já estás a olhar para ali sentes que não deves ser mal-educada, por isso diriges-lhe palavra só para um olá de longe, e entretanto apercebes-te que não só saíste com a primeira roupa que te apareceu à frente, como tens o cabelo desgrenhado, as olheiras até ao umbigo e estás a segurar um pacote de papel higiénico e umas pantufas ortopédicas, e nisto evitas contacto visual e vais pensando no simbolismo de toda a situação e chegas à conclusão que mais vale não pensar nisso porque só te ocorrem coisas tristes.

E nisto o preço dos teus chocolates, que ainda por cima foram decisão de última hora, não passou correctamente na máquina registadora, tens de reclamar e consequentemente ficar ali mais tempo, e a senhora tem de chamar alguém pelo microfone e tu queres é ir esconder-te nalgum sítio e ainda por cima o pacote de papel higiénico é grande e não cabe no bolso e as pantufas ortopédicas parecem daquelas que as pessoas de idade usam.

Tenho de mudar de cidade.

Vanessa

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Mais engraçado do que as minhas piadas secas é o Google AdSense

Não tenho tido inspiração para escrever piadas secas (mas estão aqui as que já escrevi), e além disso há agora uma página no Facebook chamada O Sagrado Caderno das Piadas Secas que me entretém e me faz ter receio de sem querer copiar ideias. No entanto, recentemente aconteceu uma coisa que teve muita piada. O serviço de publicidade Google AdSense, que já anteriormente tinha recusado a minha candidatura para o meu blogue antigo sem nunca ter explicado o motivo, voltou a recusar, desta vez este blogue. Só que agora deram uma razão. 

Essa é parte hilariante, mil vezes mais engraçada do que qualquer uma das minhas piadas. Prontos? O motivo é insuficiência de conteúdo. O melhor é rir para não chorar. Além de existirem por aí blogues aprovados com meia dúzia de posts, blogues com erros ortográficos, blogues com mais imagens do que texto, e mais não digo para não lavar roupa suja ou ficar deprimida, os meus mais de 580 posts não continham conteúdo suficiente, disseram eles, para ser aprovado. Compreendo que não tenho público-alvo bem definido nem publicações de nicho como se quer, mas esta razão deixa-me perplexa. O Google AdSense nunca fez muito sentido. 

Vão ao fórum e vejam a quantidade de pessoas na mesma situação que eu ou em situações semelhantes. Nada é muito explícito, as explicações são confusas, os métodos mais ainda, recorrer é um processo obscuro. Quando tento voltar a candidatar-me a página oficial encaminha-me para o Blogger, no Blogger a página encaminha-me para a página oficial. Ninguém responde às questões do fórum com explicações que se entendam. Há pessoas a quem a candidatura foi suspensa pouco tempo antes de receberem os ganhos. No fundo, o Google AdSense é uma piada de mau gosto e seria de esperar um serviço bem melhor da parte do Google.

Estou em crer que neste caso o problema não sou eu, é o AdSense. Felizmente há mais peixe no mar.

Vanessa

13 razões pelas quais não gostei da série Por 13 Razões

Quando estagiei no Jornal de Notícias, reportar suicídios era desencorajado. Quando ligávamos para quartéis de bombeiros e para a PJ, tomávamos nota de todo o tipo mortes, mas suicídios raramente eram noticiados. A primeira razão é o facto de que notícias sobre este tipo de morte encorajam os leitores com tendências depressivas. Sempre me disseram, e eu nunca confirmei, que houve sempre picos nas estatísticas de mortalidade após notícias sobre suicídios. Outra razão é o facto de este tipo de fatalidade ser íntimo, e se os jornais publicassem artigos provavelmente teriam de explicar motivos, panorama familiar e profissional, forma de morte, e já se sabe que depois a linha que separa o acto de noticiar do sensacionalismo é muito ténue.

Comecei a ver Por 13 Razões (13 Reasons Why no original), série norte-americana sobre suicídio na adolescência que vi quase de uma assentada. Comecei por gostar e por ficar intrigada, ao longo dos episódios fui ficando apenas intrigada, e acabei a série a detestar as personagens, o enredo, o motivo do e a forma como o suicídio da personagem principal foram representados. Quando mais penso na série, mais a detesto.

Nota: isto é a opinião de uma pessoa que não leu o livro no qual a série se baseou, mas sabe alguns detalhes do original. Possíveis spoilers no desabafo irritado que se segue.

1. Personagens mal desenvolvidas. Vemos apenas personagens a reagir ao que lhes acontece. As atitudes, incluindo muitas das más, não têm explicação lógica. As pessoas são mázinhas só porque sim. Zach é bom aluno, rapaz de família, e um doce de pessoa, até não ser. Só porque sim. Deve ser por gostar de basquetebol. É que normalmente nos filmes, os atletas são sempre cabeças de alho chocho. Um rapaz é pobre, por isso é má pessoa numas ocasiões e passivo noutras, outro é rico, por isso sente que está acima das regras e do bom senso. Pior, não sei nada sobre Hannah Baker, a personagem principal, tirando que quer ser amada e bem tratada. Ah, a sério? Após 13 horas de série, não saberia descrever a moça se me pedissem, o que é um bocado ridículo.

2. Atitudes parvas. A maioria das coisas que levou ao suicídio de Hannah Baker são tolices com excepção, possivelmente, de quatro das razões. Logo a primeira cena, a da foto que parecia algo mais, podia ser justificada. Foi chunga, que foi, mas a foto era péssima e foi tirada por terceiros. Logo, nada diz sobre o carácter da pessoa da foto. Por falar nisso, a foto que o depravado do fotógrafo amador tirou nem dava para perceber quem estava na foto. Ambas são situações de desrespeito, claro, que depois escalam à medida que outras coisas acontecem, mas a moça ou não reage como gente normal. Ninguém numa escola normal se importaria com um poema anónimo, mesmo que o conteúdo fosse vagamente erótico. Há uma lista que objectifica as raparigas da escola, a amiga de Hannah culpa-a (hã?) e ainda lhe dá uma chapada. Hannah nunca se defende como deve ser ou denuncia os (pelo menos três anteriores) eventos para que medidas sejam tomadas. Hannah testemunha uma violação e faz nenhum, mas depois dá na cabeça do namorado que também não fez nada. Hannah é apalpada e não se defende nem denuncia, é violada e não denuncia como deve ser, e reage de formas descabidas.

3. O que seria justificado se Hannah Baker desse sinais de ter uma doença mental. O suicídio é um culminar. Normalmente quem se suicida sobre de ansiedade, depressão, ou outros distúrbios psicológicos. Hannah Baker começa a série como uma jovem inteligente, sarcástica, atraente, às vezes extrovertida. Concluindo, nada que indique ser uma pessoa com possíveis tendências suicidas. A atitude da moça é acumular as emoções sem quase nunca falar com alguém senão no final e depois vingar-se... matando-se e deixando cassetes gravadas com as suas razões. Se isto não é romantizar e até glorificar sentimentos de vingança e o suicídio, não sei o que é.

4. Os bonzinhos da série deviam ser beatificados. Não há uma falha que se lhes aponte. Têm uma moral superior, defendem os injustiçados, e andam cabisbaixos. Clay não tem uma mancha no carácter. Cada lado das cassetes de Hannah representa uma pessoa que contribuiu para o seu suicídio. Clay incluído, mas só para dar um especial drama ao enredo e gerar na audiência curiosidade para continuar a ver a série.

5. As personagens são esteréotipos. Há o nerd Clay, os populares e atraentes, todos atletas e cheerleaders, os populares e sacanas, todos os atletas e principalmente os mais ricos, o artista perturbado e sombrio, o fotógrafo pouco popular, a asiática estudiosa e preocupada com a reputação, o misterioso mais adulto (que por acaso é gay), o gay óbvio da escola, os pouco populares que são saco de pancada. Isto só para resumir.

6. Esta é uma série baseada no diálogo entre personagens, mas o diálogo é péssimo e pouco realista. Nenhum adolescente que eu ouvisse, nem os de documentários e de outras séries e filmes norte-americanos, fala como estas personagens. As personagens soam ao que os adultos acham que os adolescentes de hoje em dia soam.

7. Por falar nisso, muitos dos actores não parecem adolescentes do ensino secundário. Embora seja comum que os actores sejam adultos em filmes sobre jovens, neste caso, a juntar a tudo o resto, isto não dá validade ao enredo, não permite que o público-alvo se identifique mais, e deturpa a mensagem principal, que sim, é válida e necessária, mas não da forma como a séria a capta, que assim no geral se resume a: pessimamente.

8. Toda a gente matou Hannah Baker. É esta uma das mensagens que é directamente dita por Clay. Discordo totalmente. A série é sobre suicídio, não homicídio. É claro que bullying contribui, mas apenas se a pessoa vítima de bullying for predisposta a doenças mentais que levam ao suicídio. E Hannah nunca pareceu predisposta. Não estão lá os sinais, incluindo os mais óbvios, da apatia e tristeza à auto-mutilação, porque há normalmente um crescendo em termos de auto-flagelação antes do suicídio. Depois há belas mensagens como a de Skye, personagem que se auto-mutila, que diz que isso é o que se faz em vez de cometer suicídio, como se a mutilação não fosse por si só um problema grave, como se não fosse tão grave como o suicídio, o que não só minimiza o acto, como até o encoraja como forma de escape. Em retrospectiva, parece-me doentio.

9. Hannah Baker não sabe que não é não. Este assunto é delicado. Na série, Hannah recusa Clay de forma decidida, cinco vezes pela minha contagem, mas sem o querer. O que ela queria era que Clay tivesse ficado, porque claramente ele é a solução para todos os seus problemas (sarcasmo). Mais tarde, Hannah fala com o psicólogo da escola que nada pode fazer porque ela não quer denunciar quem a violou, mas que ainda assim escuta atentamente, recusa chamadas para lhe dar a devida atenção, e Hannah recusa sempre ajuda, mas quando sai porta fora, espera por momentos na esperança de que o psicólogo a vá procurar. A moça espera que as pessoas adivinhem que as suas recusas signifiquem afirmações. Deu-me nervos.

10. O amor cura tudo. Hannah critica constantemente a vida social dos adolescentes, apesar de ela própria participar em todos os rituais típicos. Mais ainda, a vida de Hannah parece centrar-se somente na sua (falta de) popularidade e no facto de ser ou não alvo das atenções dos rapazes. A série dá a entender que se Clay tivesse dito que a amava, as coisas seriam diferentes, o que reduz a mensagem da série de forma destrutiva, fazendo crer que a cura para o suicídio é o amor, ou de forma mais dramática, que a cura é a atenção de um rapaz.

11. As raparigas da série são tolinhas. Preocupam-se com a reputação e com a vida amorosa. São todas atraentes e fúteis. Pouco mais. Não sabemos de quase nada sobre os seus sonhos, ambições, planos. Nada. As únicas mulheres melhor caracterizadas são as mães das personagens principais, e mesmo assim a fasquia continua baixa porque ambas são ingénuas e não vêm o que está à frente do seu nariz.

12. A melhor cena de toda a série, para mim e de um ponto de vista cinematográfico, foi a do suicídio. No livro, Hannah mata-se com comprimidos, mas na série corta os pulsos. A cena foi mostrada ao detalhe e fez impressão, mas pode ser vista como um tutorial para aqueles que estejam a pensar no assunto. Todas as associações que consciencializam e têm como objectivo prevenir suicídios desencorajam retratos deste género e por boa razão. Compreendo que os criadores pudessem pensar que mostrar a violência do acto poderia ser uma forma de deter aqueles que contemplam suicidar-se, mas a forma como romantizam a estória, como glorificam, talvez indirectamente, as escolhas de Hannah e a tornam heroína ou mártir, tudo isto embeleza o acto final.

13. A série dá a entender que pedir ajuda é infrutífero. Nunca vemos alguém ajudar Hannah, nunca a vemos pedir ajuda a sério, quase nunca alguém a compreende. O lado produtivo desta série seria informar e prevenir, mas ao tornar Hannah num puzzle, apenas serve de entretenimento. Os criadores dizerem que as intenções foram boas não valida as intenções. Não vejo na série essas intenções de alertar para o suicídio. Vejo apenas um romance em que uma rapariga se vinga de quem lhe fez mal e que de caminho se torna popular, coisa que não foi em vida, numa de dar uma lição aos maus da fita, que agora na generalidade se culpam, o que retira da pessoa que se suicidou qualquer responsabilidade pelo acto em si. Tudo isto mostrado de forma superficial e com um quê de intriga para manter audiências, e na minha opinião de forma irresponsável.

Vanessa

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Costas largas

"Every leap of civilization was built on the back of a disposable workforce ..." Niander Wallace (personagem fictícia em Blade Runner 2049). Traduzido dá qualquer coisa como: todos os saltos civilizacionais foram construídos nas costas de mão-de-obra descartável. Mas a escravatura já foi mais ilegal do que nos dias que correm. Veja-se a Web Summit, evento que move milhões de euros, com os bilhetes normais a custarem 1500€, mas a funcionar à conta de 500 voluntários como se fosse uma organização sem fins lucrativos, ou a quantidade de estágios curriculares ou profissionais de origem duvidosa que proliferam nas ofertas de emprego.

A Comissão Europeia alertou para a política de salários baixos em Portugal, vi hoje nas notícias. Uma vez que não posso generalizar, vou aos casos que me são próximos. Tenho amigos com 30 anos que ainda são estagiários. Tenho outros vários a recibos verdes. Os poucos com um contrato de trabalho decente trabalham que nem mulas. É esta a mão-de-obra descartável que avança a economia, que na verdade não avança coisa nenhuma.

Às vezes olho para as estatísticas e fico a pensar em como a qualidade de vida tem estagnado. Se medíssemos a qualidade com base em novas tecnologias, estaríamos num patamar muito superior, mas há muito de básico que não avança. Pior, parece recuar. A minha visão é tão mais pessimista quanto mais sou exposta à informação. É por isso que leio cada vez menos notícias e às vezes tenho reacções apáticas até ao que é positivo.

Há quem pense que os millennials são os culpados de tudo quanto é mau e há quem pense que estamos a trilhar um novo caminho, novos hábitos e mais ponderação. É tudo força das circunstâncias, estou em crer. Se tudo o que nos foi dito tivesse sido realidade, como estudar muito para ter bons empregos e seguir as pisadas das gerações passadas, desde comprar casa a constituir família, não haveria tanta startup, tanta inovação, tantas novas ideias que vieram abalar o sistema. A necessidade é aqui mãe das invenções, porque temos as costas largas para tudo quanto é culpas no cartório, mas também para arcar com crises que há muito estão em fase de incubação e com as consequências das crises todas e com um planeta em fase de declínio.

A premissa para este post veio do Blade Runner 2049, mas o que eu queria era que um dia estivéssemos mais próximos de uma sociedade como a do Star Trek. Disse certa vez o Capitão Picard, "Ultrapassámos a fome e a ganância, e já não estamos interessados na acumulação de coisas". Estamos numa fase de transição, mas um dia chegamos lá... ou perecemos a tentar. Sendo pessimista, nem vou escrever o desfecho que imagino.

Mas tenho esperança de que tudo o que de positivo há em Star Trek, e não Blade Runner que de positivo tem apenas o avanço tecnológico, seja uma profecia em vez de mera ficção.

Vanessa

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Ajustes

Preciso sempre de duas a três semanas até me habituar à mudança da hora. No verão a mudança não me faz grande diferença senão na euforia de apanhar mais sol e de os dias parecerem mais longos. No inverno o caso é diferente. Há sempre uma altura da tarde em que parece que é muito tarde. Depois das cinco parece que são nove da noite. Se acordo tarde, o dia é muito curto. Por aí fora. A conclusão é que pareço um zombie.

Ando movida a cafés e chás, sopas e Buddha bowls. As mantas e a botija de água quente já saíram do armário. Até já usei uma camisola polar esta semana, numa noite de 13 graus. Quando vou ao supermercado, irritam-me as músicas de natal, mas tentam-me os bombons. Parece tão cedo e tão tarde quase todo o dia.

Esta semana a minha afilhada fez um ano. Quando se acompanha o crescimento de uma criança parece sempre tão tarde em tantos aspectos. Estiveram quatro gerações à mesa nesse dia. Muita gente feliz. Vejo a família da mãe da minha afilhada em ocasiões como esta desde que tínhamos 14 ou 15 anos. Metade da nossa vida. 

Vemo-nos a envelhecer uns nos outros quando nos encontramos nos aniversários. Mais um ano, mas menos um ano. É mais fácil celebrar o aniversário de crianças. Há sempre muito pela frente.

Vanessa

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

A verdade ainda está lá fora

Lembro-me de ter uns 10 anos e de ficar colada ao ecrã da televisão quando a TVI transmitia os Ficheiros Secretos (X-Files no original). Não me lembro de nenhum episódio específico. Apenas me recordo de ver Dana Scully e Fox Mulder em cenários escuros com uma música sinistra no fundo, e disso ficaram as sensações que a série transmitia às segundas-feiras à noite com enredos que envolviam o paranormal e o sobrenatural.

Havia tanto no mundo que desconhecia nessa altura, e ainda hoje. Tenho visto os Ficheiros Secretos desde o início há cerca de um mês. Vou na segunda de dez temporadas, e de vez em quando há cenas que me lembro de ter visto. A maior parte dos temas não me são desconhecidos, porque desde essa altura que me fascinam todas as áreas do oculto, provavelmente devido à influência que a série teve em mim desde criança.

Muitas das teorias da conspiração que guiavam Fox Mulder são agora comprovadas ou pelo menos verificadas. Ficheiros Secretos levava essas teorias ao extremo, mas até ao momento apenas coisas como os monstros, as mutações, e as bactérias milenares soterradas no solo ou no gelo parecem ser mera ficção. 

Fiquei especialmente fascinada com o episódio 21 da primeira temporada quando Scully e Mulder usam um software para reproduzir em 3D dentadas encontradas numa cena de crime de forma a comprovar o culpado, tema que sobre o qual o programa Last Week Tonight se debruçou num episódio recente sobre ciência forense e concluiu ser insuficiente para nos Estados Unidos condenar alguém, mas que é usado na mesma.

Mais ainda, fiquei impressionada com o episódio 10 da segunda temporada, onde a teoria da conspiração do episódio tinha que ver com as hormonas injectadas em vacas e os consequentes efeitos nos humanos, e o episódio envolvia uma seita de veganos. A teoria continua a ser conspiração, mas agora sabemos que o que é injectado nos animais antes do matadouro também tem consequências para a saúde dos humanos.

A cada episódio fico fascinada com o facto de não me lembrar de nada muito específico, pois na memória tenho apenas algumas cenas e sensações de curiosidade (muitas vezes mórbida), mal-estar, perplexidade, mas também com o facto de as minhas horas vagas serem passadas debruçada sobre tópicos semelhantes, às vezes os mesmos, 23 anos passados desde que a primeira temporada passou na televisão portuguesa.

O spot publicitário que a TVI passava usava a frase "A verdade está lá fora" e "Quero acreditar", muito usadas ao longo da série como ímpeto para avançar, e a verdade ainda, está de facto, lá fora, misturada com teorias da conspiração e campanhas de desinformação, e Mulder seria tão feliz com as descobertas que já se fizeram, com os novos casos que a internet propaga, com as conspirações recentes, e com as novas tecnologias.

Vanessa

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

O (a)cúmulo do tsundoku

Tsundoku não me parece uma palavra muito bonita, mas está cheia de significado. É um termo japonês que não pode ser traduzido para uma palavra apenas porque cada sílaba já conta uma estória. "Tsunde" significa empilhar coisas. "Oku" significa deixar coisas num lugar por algum tempo. "Doku" significa ler. Tudo junto dá uma palavra para definir pessoas como eu: pessoas que compram e (consequentemente) acumulam livros. Por outras palavras e de forma minimalista, à boa maneira japonesa, tsundoku é o cúmulo do acúmulo literário.

No meu caso não se trata de ganância. Compro livros frequentemente e a lista daqueles por ler já vai longa, mas o meu é um caso de subestimação de tempo, ou talvez seja um síndrome de esperança aguda. Creio sempre que um dia vou conseguir ler todos os livros que compro, e até os que ainda pretendo comprar. Já aqui dizia que todos os meus livros simbolizam o que aprendi, até aqueles que ainda não li. Por isso, olho para as pilhas de lombadas como um investimento a longo-prazo que um dia poderão ser rendimento passivo.

Todo o meu acúmulo literário é no fundo potencial riqueza. Há quem coleccione pacotes de açúcar ou selos ou outras coisas mais absurdas. Eu não vejo mal nenhum em coleccionar livros, excepto que por vezes vê-los causa-me ansiedade. Transtorno. Há sempre a dúvida. Será que os vou conseguir ler todos antes de morrer? Olho para as obras que ainda estão por pegar e de certa forma confronto-me com a própria mortalidade.

Está implícito no tsundoku o acto de comprar livros, acumulá-los e não os ler. Parece-me o prefácio de uma estória de terror. Ao ter tantos livros à mão de semear estou com certeza mais perto de os ler do que se eles estivessem numa qualquer loja. Não deixa de ser angustiante não conseguir chegar a todos da forma que gostaria. Ser leitor é ter instinto para a leitura, mas também um certo sentimento de obrigação. Chega a ser imposição. Pode às vezes ser compulsão. No fundo, todos os vícios nos confrontam com a mortalidade.

O melhor é seguir os meus próprios conselhos para ler mais e melhor, os quais descrevi aqui, e esquecer o tsundoku se quero chegar ao cúmulo literário ao invés do mero acúmulo.

Vanessa