Quando se escreve sobre uma experiência, é preciso ter cuidado para não nos focarmos demais na escrita, porque corremos o risco de viver em diferido. Seria muito fácil olhar para a realidade através da lente da minha câmara e esquecer-me de observar sem filtros aquilo que me rodeia. É por isso que por vezes faço por me esquecer da câmara ou de escrever no meu diário aquilo que quero que fique na memória.
Por vezes, todo o cuidado é pouco. Há alturas em que é mais fácil distrair-me a fotografar os detalhes em vez de observar e sentir o todo. Há pormenores que não são agradáveis de ver. Há momentos em que pensar nas pequenas coisas torna-se melhor, pelas implicações que traz aquilo que vemos. Aqui não há filtros e a mente cria-os, em busca de paz de alma, porque aqui convive-se com o lado menos agradável da humanidade.
A minha família parece escolher ver a beleza. Focam-se na natureza. Nas palmeiras e nos vastos lençóis de água e no clima e nos frutos e nas especiarias. É sobre isso que falam em Portugal, nos momentos saudosistas que vão surgindo quando fazem caril ou em altura de festas. Todos eles parecem desejar estar aqui onde estou agora, como se só aqui soubessem bem todas essas coisas de que tanto falam.
É verdade que assim é na maioria das vezes. Mas eu saí diferente e os meus olhos não conseguem só ver as coisas bonitas. Aliás, os meus sentidos estão quase sempre no limiar entre o estado de alerta e o de precaução. Não porque me ensinaram, mas porque fui aprendendo. Não posso escrever factos se apenas experimentar o que é agradável. Não posso viver uma experiência se filtrar pormenores.
Acima de tudo, não posso viver em diferidos e adiados, como faz a minha família, que quando está em Portugal deseja estar em Goa ou noutro lado qualquer, que quando tem planos é para fazê-los cumprir em Goa e não em Portugal, onde viveram a maior parte das suas vidas, que passa o futuro a lembrar-se do passado e das coisas boas, todas as coisas boas, que ficaram noutro país que não é aquele onde estão.
É nesse tipo de coisas que sou tão diferente dos Sena como sou dos Sousa. É nessas alturas que sou apenas a Vanessa, que tenta viver no presente, mesmo que seja a escrever sobre o dia anterior.
Vanessa
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