quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Desejos para 2016


Que o novo ano seja como a água de coco: não muito doce, não muito salgado, não muito ácido, não muito azedo. Que 2016 seja mesmo como a água de coco: leve, refrescante, fluída, generosa, saborosa. Que o ano que aí vem seja como um coco, de tamanho considerável, mas que caiba numa mão, com o interior suculento de fruto cremoso e saciante, e verde, como se houvesse ainda tanto para acontecer.

São estes os meus desejos para mim e para vocês.

Vanessa

Sweet Lassi


I have no problem trying out new things, even if that means throwing cautionary tales, like not drinking tap water and avoiding cheap looking bars when traveling, out the window. I mean, lassi is a good enough reason to do so.

If you do not like yogurt, it's best to stay away from it. Lassi is a refreshingly delicious drink made with yogurt and spices. The sweet version of lassi is usually seasoned with fruit juice or rose water (my favorite) and probably a generous pinch of sugar, and preferably lots of ice cubes. I do not even mind if they're made out of tap water.

This is also a local variation of a smoothie if one is lucky enough to find a place that uses real fruit in it. Those are usually the places where the savory lassi (chaas) is also available, and where hygiene meets international standards. I'm sorry if I sound a little snobby here.

I've tried lassi in a couple of different places. It's usually when I'm kind of hungry, but not starving, or when I'm craving dessert. Lassi is like a drinkable dessert, actually.

Vanessa

O acto de panicar

O dia em que o médico me disse que eu andava a ter ataques de pânico e ansiedade deixou-me um pouco... em pânico. Afinal de contas, sintomas físicos tão desesperantes tinham de ter uma causa física, não? Para começar, sim. Houve uma infecção respiratória. Mas depois disso, não. Estava tudo na minha cabeça.

Depois, duas semanas sem um sono seguido não melhoraram o quadro.

Passaram dez dias desde o diagnóstico e eu tomei um ansiolítico. Quem me conhece sabe que sou aversa a tomar comprimidos para funcionar. Mas durante dez dias tomei um comprimido, porque aquilo que estava na minha cabeça transformava o corpo num frenesim que só quem já sentiu pode perceber.

Amigos e familiares perguntavam a medo se achava que queria ir embora. 

O quê? Voltar para Portugal quando ainda nem tinha conseguido desfrutar daquela que me têm vindo a dizer (desde que nasci) que é a minha terra? Ir embora, quando o problema se manifestava principalmente à noite, no escuro, e não na rua, não a observar as paisagens, não a interagir, não a passear?

Fui ficando, porque me parecia que qualquer que fosse o problema, ele tinha viajado comigo de Portugal para Goa e era meu, não do sítio onde estava. 

A sensação de pânico e a ansiedade eram-me familiares, mas nunca com esta gravidade literalmente sufocante, que atacava a eito e já começava a querer fazer parte dos meus dias, além das noites.

O que se passa, não sei. Há ainda a possibilidade de existir uma causa física e isso vai ser esclarecido. Da mesma forma como tenho a quase certeza de que o problema veio comigo, sei que aqui tenho mais probabilidades de o resolver. Se não se resolver, será acalmado e/ou terei de me habituar ao acto de panicar de vez em quando.

Este não é um tópico digno de orgulho, mas enquanto não souber mais sobre ele, faz parte da experiência. Não é assim uma coisa muito normal, mas normalidade também nunca foi comigo.

Também não há que ter vergonha do acto de panicar sem razão aparente. A internet serve para este tipo de coisas. Encontrar outras pessoas que sentem ou sentiram o que sentimos.

Vanessa

O melhor animal de estimação


No terreno da família Sena mora uma jibóia. Ainda não a vi, mas ao que parece, é aqui que ela mora. Segundo relatos dos familiares, a jibóia conhece todos os Sena e é por isso que nunca os atacou. 

Algures na sua residência, que é esta árvore, ela própria com um aspecto réptil, a jibóia observa atentamente quem por aqui passa. De animais de estimação só tive peixes, um cão e uma gata. Aqui, pelos vistos, tenho uma jibóia que nunca vi, mas que todos juram que existe.

Vanessa

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Doses individuais


Na Índia há tamanhos para todas as carteiras. Todas as marcas dispõem de miniaturas ou doses individuais, como estes cereais. Isto é um pacote de 30 gramas de cereais. Custou 10 rupias.

Já comprei chá verde da Lipton em pacotes de 5 saquetas por 20 rupias, gelatina em pacotes que equivaliam a uma colher (só para experimentar) por 1 rupia, batatas fritas da Lays em pacotes de 25 gramas por 10 rupias, um tubo de 40 gramas de pasta de dentes Sensodine por 55 rupias e tantas outras mini coisas, que fazem lembrar amostras, a preços mais módicos.

Não fosse o lixo que produzem estas doses, seria mais barato só consumir assim.

Se juntarmos várias doses individuais até perfazer a quantidade de um pacote normal ou grande, fica mais barato comprar as doses individuais, seja petiscos, champô, ou produtos de limpeza.

Esta é também uma forma de satisfazer a gula sem exagerar no que se come. É uma cultura do "pouco mas bom". Inicialmente perguntei aqui em casa se isto acontecia porque as pessoas recebiam o salário à semana, e por isso compravam doses assim para não gastarem muito de uma vez.

Mas não, aqui recebe-se ao mês como em Portugal. No entanto, há produtos que aqui são pequenos luxos e as pessoas usam-nos em menor quantidade ou só de vez em quando.

Infelizmente, assim produz-se mais lixo também.

Vanessa

Ocidentalidade


O presépio aqui de Nagoá de Vernã tem um aspecto um pouco ocidental, com estes protagonistas de pele clara num país onde a tez é claramente tingida pelo sol. Junte-se a isso as evidências de que Jesus teria a pele mais escura do que a maioria das suas representações religiosas e temos aqui um caso de ocidentalidade, onde costumes são influenciados por outras culturas, com crenças vincadas e bastante diferentes daquelas do país que as imita ou tenta imitar. Atenção: isto é uma invenção minha, com certeza.

A pele clara parece ter um certo simbolismo aqui. É costume os cremes terem propriedades que clareiam a pele (é difícil encontrar um que não tenha), a publicidade ser feita por personagens sorridentes e de pele mais branca do que é normal ver-se pela rua, e os padrões ocidentais serem ponto de referência ou comparação.

A telenovela que os Sena vêem cá é outro exemplo. As personagens têm aspecto europeu, incluindo olhos e cabelos claros, mas falam hindi. O dramatismo da telenovela é certamente europeu, com amores e desamores, intrigas provocadas por mulheres ciumentas e coisas do género que, por não perceber o que está a ser dito, posso apenas imaginar. Também me está a parecer que o costume de ver telenovelas é uma ocidentalidade. O mesmo acontece com o futebol. Se isto não são influências portuguesas em Goa, não sei o que são.

Vanessa

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Em diferido

Quando se escreve sobre uma experiência, é preciso ter cuidado para não nos focarmos demais na escrita, porque corremos o risco de viver em diferido. Seria muito fácil olhar para a realidade através da lente da minha câmara e esquecer-me de observar sem filtros aquilo que me rodeia. É por isso que por vezes faço por me esquecer da câmara ou de escrever no meu diário aquilo que quero que fique na memória.

Por vezes, todo o cuidado é pouco. Há alturas em que é mais fácil distrair-me a fotografar os detalhes em vez de observar e sentir o todo. Há pormenores que não são agradáveis de ver. Há momentos em que pensar nas pequenas coisas torna-se melhor, pelas implicações que traz aquilo que vemos. Aqui não há filtros e a mente cria-os, em busca de paz de alma, porque aqui convive-se com o lado menos agradável da humanidade.

A minha família parece escolher ver a beleza. Focam-se na natureza. Nas palmeiras e nos vastos lençóis de água e no clima e nos frutos e nas especiarias. É sobre isso que falam em Portugal, nos momentos saudosistas que vão surgindo quando fazem caril ou em altura de festas. Todos eles parecem desejar estar aqui onde estou agora, como se só aqui soubessem bem todas essas coisas de que tanto falam.

É verdade que assim é na maioria das vezes. Mas eu saí diferente e os meus olhos não conseguem só ver as coisas bonitas. Aliás, os meus sentidos estão quase sempre no limiar entre o estado de alerta e o de precaução. Não porque me ensinaram, mas porque fui aprendendo. Não posso escrever factos se apenas experimentar o que é agradável. Não posso viver uma experiência se filtrar pormenores.

Acima de tudo, não posso viver em diferidos e adiados, como faz a minha família, que quando está em Portugal deseja estar em Goa ou noutro lado qualquer, que quando tem planos é para fazê-los cumprir em Goa e não em Portugal, onde viveram a maior parte das suas vidas, que passa o futuro a lembrar-se do passado e das coisas boas, todas as coisas boas, que ficaram noutro país que não é aquele onde estão.

É nesse tipo de coisas que sou tão diferente dos Sena como sou dos Sousa. É nessas alturas que sou apenas a Vanessa, que tenta viver no presente, mesmo que seja a escrever sobre o dia anterior.

Vanessa

Nota gastronómica

Prato indiano que é prato indiano tem de terminar com os rebordos da loiça enfeitados de especiarias que sobraram. Cardamomo, cravinho, canela, mostarda. Se tivermos sorte, não calhou mastigarmos um deles durante a degustação do prato em si. Não é uma experiência muito agradável ao palato, mas é como uma surpresa. Estilo a fava do bolo-rei. As especiarias dão sabor, mas depois ficam bem é na borda do prato.

Vanessa

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Detalhes do natal em Nagoá de Vernã

A árvore de natal foi connosco de Portugal para cá e agora pertence ao hall de entrada da casa dos Sena.

Há por todo o lado estas estrelas penduradas, com diversas mensagens de boas festas.

São Francisco Xavier tem aqui um lugar especial.

No dia 25 de Dezembro houve teatro. Apanhei isto e pouco mais.

Estas estrelas são a forma mais comum de decoração. De longe, formam um espectáculo que dá a impressão de que o céu caiu à terra.

É normal os donos das casas terem apelidos portugueses.

"Não há estrelas no céu"... porque estão todas por aqui.

Noites que quase parecem dia.

A igreja onde estive na missa do galo. Normalmente não há espaço que chegue para todos, por isso a missa é também transmitida cá fora, projectada numa tela branca.

Não faltam aqui estrelas, brancas e vermelhas, com detalhes que se iluminam de noite.

Uma das pequenas capelas do bairro.

A maior parte das casas é decorada com esmero.

Uma das casas do bairro fez questão de construir bonecos de "neve" e este é um deles. Lembrei-me que o Olaf do filme "Frozen" ia gostar muito de estar aqui, pelo menos até se transformar numa poça.

Vanessa

domingo, 27 de dezembro de 2015

Momentos de nada

Em Portugal, é comum ver-se pessoas idosas a contemplar as ruas com os cotovelos apoiados no parapeito das suas janelas, sentados em bancos de jardim ou em cafés. 

Sei que normalmente estão, na verdade, a contemplar tempos idos, mergulhados em lembranças ou velhas feridas. Outras vezes estão a olhar para as gerações mais novas e a criticar mentalmente o que vêem.

Aqui, o acto de contemplar abrange todas as gerações. Quando se espera, fita-se a rua ou o ar. Quando se faz uma pausa, olha-se pela janela. Sempre que não há nada para fazer, faz-se nada.

Na semana que passou fui à biblioteca ler o Times of India e estavam lá quatro pessoas de gerações diferentes, todas à espera daquilo que me pareceu ser a entrega de um cabaz alimentar. 

Li o jornal durante mais de meia hora enquanto as quatro pessoas pegavam em jornais ou no seu telemóvel, mas em vez de fazerem algo, ficavam a olhar para o lado de fora da biblioteca. 

Conversaram de vez em quando, mas na maior parte do tempo permaneceram em silêncio.

Nem sequer pareciam pensativos. Já reparei nisso. Há pessoas da minha idade que olham pela janela das suas casas e só olham, ou que passam assim o tempo quando estão na paragem do autocarro.

Sem fazer alguma coisa. Estão, simplesmente.

Vanessa

Sandes de panado


Um dia destes estava no jardim e começou a cheirar muito bem. Aqui os aromas alternam entre o muito bom e o muito mau, e talvez por isso me tenha atraído logo aquele perfume a carne grelhada com especiarias.

Vinha ele de uma pequena carrinha cor de laranja onde uma mulher servia um grupo de jovens com o que me pareciam ser pães de pita recheados, assim como tigelas de sopa a fumegar, com colheres parecidas às do restaurante chinês em Portugal, mas em laranja como quase tudo na carrinha.

Foi assim que provei o equivalente à sandes de panado daqui. A mulher deu-me a escolher entre carne de frango ou vaca (escolhi vaca) e procedeu à retirada de dois pedaços de carne, panados, que fritou numa frigideira inundada de óleo, cortou na bancada e atirou para dentro de um pão de pita, terminando a polvilhar a sandes com couve (a bendita couve daqui). Eu terminei a obra de arte com um borrifo de ketchup.

O pão ralado daqui é mais grosseiro e, por isso, crocante, o que contrasta bem com a carne. Parece panko, o pão ralado japonês, mas misturado com milho ou algo assim de diferente. 

A sandes soube-me àquelas que levava nas visitas de estudo da escola. Talvez me tenha sabido melhor por isso. O preço ajudou. Custou 40 rupias (1 euro = 72 rupias), ou seja, menos de 1 euro.

Vanessa

Serial seriousness

My uncle R. told me my face is often serious or sad. Yeah, I get that a lot, so that means I haven't changed. I've always seen it as being pensive, which I often am. I cannot control my resting face and I cannot force myself to smile all the time, but uncle thinks that's the answer to all problems. "Just laugh, laugh, laugh," was his advice.

Dad told me my first posts were pessimistic. I also get that a lot. I'm serious and pessimistic. I've always been this way. I guess this is a part of discovering myself while discovering Goa. But would I be who I am or do what I do had I evolved differently? No, and I probably wouldn't even be writing a blog.

Name one writer who's always optimistic and cheerful and generally expansive. No, self- help gurus don't count. And many of those had to learn what they know and teach from less than happy experiences.

Most writers I've grown to love are serious and pessimistic, and their genius derives from that. I may have unconsciously tried to mimic them, but my main theory is that no one who uses the brain can be happy all the time. It's the opposite of ignorance being a bliss. Knowledge is doom.

I do smile a lot here though. I found that's the best language one can have while traveling. It beats the best dictionaries. It's street smarts 101. Other than that, I'll keep my generally contemplative state, which is what I do when I'm not doing something specific. If my thoughts want to wander to less happy landscapes, let them.

Vanessa

sábado, 26 de dezembro de 2015

Onde pára o português?


- Fico tão satisfeita quando oiço falar português! - ouvi, depois de sentir uma mão segurar-me no ombro numa rua de Pangim. A senhora seguiu o seu caminho com um sorriso nos lábios, como que a demonstrar que realmente ficava satisfeita por ouvir o idioma, e deu um último aceno de mão antes de desaparecer por uma rua de lojas e vendedores ambulantes. Eu e o meu tio rimos.

O declínio da influência portuguesa começou em 1961, de acordo com os manuais de história que já vi, mas na verdade a influência ainda se faz sentir. Ficaram os nomes de ruas, os apelidos das pessoas, mesmo que as gerações mais novas da família já não falem português a não ser para pronunciar o seu próprio nome, os pratos de inspiração lusitana ou que os portugueses cá deixaram, e até costumes.

Pelos sítios que já visitei, o português é apenas uma memória. Para alguns saudosa, para outros um pormenor sobre o qual ouviram falar algures e para outros totalmente indiferente. Eu ainda fico surpreendida quando vejo ou ouço algo que me faz lembrar Portugal, mas sei que dentro de pouco tempo não será assim. O meu cérebro está quase habituado a estar num país por onde portugueses passaram e deixaram ficar coisas.

Vanessa

Natal tropical


Estavam mais de 30 graus no dia de natal, mas comeu-se bacalhau levado de Portugal, com o obrigatório topping de azeitonas. Há muito que a mesa de natal da família Sena Sousa se decora com o melhor de dois países. Normalmente é o bacalhau e algum tipo de caril indiano. 

Também já houve acompanhamentos de influência africana, assim como a adopção de algum prato ocidental. Por exemplo, já fiz peru, fiambre caramelizado, lombo com ameixas, rolo de carne. Já acompanhámos pratos orientais com abóbora, couve-de-bruxelas, batatas assadas. 

Já vi na mesa rabanadas e bebinca, bolo-rei e doce de grão, lampreia e carambolas.

Este ano foi bacalhau com refogado de batatas, um assado de porco na lenha, arroz com açafrão, salada de couve. Mais tarde, uma amiga da família trouxe uma quantidade industrial de biryani (arroz com diferentes ingredientes, dos legumes à carne) e esta salada, com legumes cozidos e crus, tomate-cereja e romã.

Aqui come-se depressa e sai-se logo da mesa. É comum isso acontecer em festas, por exemplo, e é por isso que a refeição é servida tarde. Eu fui das últimas a terminar e a permanecer à mesa. Estes foram os meus pratos:



Aqui o natal é o almoço de dia 25. Não há consoada, como em Portugal, mas há missa da meia-noite. Tive a impressão de que o natal terminou depressa por isso. Foi o almoço e depois acabou-se. Como não há crianças em casa, não houve distribuição de presentes nem jogos. Foi uma festividade de fugida. 

De noite houve teatro junto à biblioteca. Eu fui, mas voltei mais cedo porque ainda não percebo konkani. Foi de noite que falei com a família que ficou em Portugal por videochamada e quase conseguimos ter uma refeição juntos desta forma. Eles com bolo-rei e lampreia, nós com bebinca e carambolas.

Foi assim o natal de 2015.

Vanessa

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Goesando

Às vezes vale a pena olhar para cima.

Admiro quem consegue dormir em qualquer lado.

Tesouros escondidos.

Na zona de Siridão, onde as águas são quentes.

À luz do ocaso.

Tons de castanho.

Dias que terminam depressa.

Vanessa

I Should Be Taking A Nap

People here nap a lot. Correction. My family naps a lot, especially right after meals. It doesn't sound healthy, but many people do that here in the neighborhood, so after lunch hours are pretty quiet.

I was never a napper, not even in kindergarten. I enjoy my nap time reading, writing, surfing the web and catching up with friends in Portugal. At least with those that can chat during work hours.

I do not mind the sun, so I often go for walks too. It seems like it's the day's peak, with the sun shining the brightest as it will ever do, the colors vivid and glowing, the sounds of nature sharper.

Mom says I should take a nap, but it's much more fun to feel so awake while so many people are sleeping.

Vanessa

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

O natal é uma festa

São três horas da madrugada. Aqui o natal celebra-se com foguetes. Toda a noite, aparentemente. Há música, vozes, barulho. O Branco, coitado, está a celebrar a consoada debaixo da cama.

Logo agora que já tinha regulado o sono para um horário saudável.

São três horas da madrugada em Goa e, se sair de casa agora, posso celebrar o natal como se fosse a passagem de ano. Por isso é que as pessoas se vestem a preceito para a missa. 

Um feliz natal a quem me tem lido.

Vanessa

Eu, que nunca tomo pequeno-almoço...


Basta-me um bakri (uma panqueca salgada, cozida numa chapa com ghee) e um café de manhã, mas é um avanço tendo em conta que nunca gostei de tomar o pequeno-almoço. Bom, na verdade tenho de comer para tomar a medicação. Também raramente ia ao médico e em 12 dias aqui já fui duas vezes.

Já para não falar que raramente acordava de manhã e aqui, mesmo que tenha sono, tenho de saltar da cama pouco depois do sol nascer, independentemente das horas a que fui dormir. Às 9 da manhã já estou despachada da rotina matinal e aproveito para caminhar durante a frescura da manhã.

Ainda não consegui incluir o trabalho na rotina. As festas transformam a vida das pessoas, com os preparativos e tudo isso, porque deixar de cumprir a tradição está fora de questão. Este ano, vou comemorar o Natal de manga curta e cinco horas e meio mais cedo do que o habitual.

Umas coisas mais cedo, outras coisas mais tarde. Ao menos aqui tomo o pequeno-almoço e apanho muito mais sol. É suposto essas coisas fazerem bem à saúde.

Vanessa

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Práticas a guardar

Quem ler este blogue pode pensar que nada em Goa é bom senão os dois animais de estimação da casa, a gastronomia e pouco mais. Perdoem-me. É que trago comigo o costume europeu (talvez só meu) de focar os aspectos negativos. É difícil largá-lo assim tão facilmente numa só semana.

Tenho lido na internet sobre o costume de praticar a gratidão como forma de melhoria pessoal. A gratidão muda lentamente a forma de estar. É a tal questão de se pensar no copo meio cheio.

Estar em Goa faz-me valorizar viver em Portugal. Pode não ser um aspecto totalmente positivo e gratificante sobre estar aqui, mas já é um começo. Entrar numa farmácia ou numa repartição das finanças em Portugal vai ser muito menos frustrante, as pequenas subtilezas do quotidiano vão ser mais notadas e as ruas vão parecer mais limpas e iluminadas. A internet vai parecer ultrapassar a velocidade da luz.

Quanto a estar aqui, há muito para fazer notar e para agradecer. A água do poço, as ventoinhas espalhadas pela casa, as flores a desabrochar, os constantes aromas e paladares novos em casa e pela rua, as borboletas que pousam em cima de nós sem receios, as primeiras horas da manhã e as noites quase silenciosas, a constante presença de tópicos sobre os quais escrever e a internet, ainda que um pouco rudimentar.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Em busca da normalidade



Viajar é conhecermos o nosso próprio mundo e, pelos vistos, eu conhecia apenas a ponta do icebergue que é o meu. Aqui as sensações, os pensamentos, os receios parecem ampliados. Pode ser do ar, da pacatez desta vila, da distância de Portugal, da rotina diferente, do fuso horário, do clima.

No entanto, fora de casa, onde as paisagens são tropicalmente acolhedoras, dissipam-se alguns dos problemas. Outros ficam, mas são manejáveis porque há distracções e coisas bonitas para se ver.

Hoje foi assim em Versao Beach (que nem sequer aparece no mapa do Google). EDIÇÃO: A praia chama-se Velsão. Assim já aparece no mapa. Um chá no bar da praia, onde vi turistas de pele branca (e outros de pele vermelha, claro) e de onde vi miúdos a jogar à bola, e alguns locais a passear. Os pés tocaram a água tépida e aproveitaram-se os momentos para ouvir as ondas.

Foi bom escapar dos receios e anseios. Tudo isso fica para depois. Ou nunca.

Vanessa

domingo, 20 de dezembro de 2015

Do alpendre para o mundo


A internet chega ao meu lugar preferido no alpendre da moradia da família Sena em Nagoá. É um pequeno luxo que me permite escrever submersa no jardim e fazer pausas para prestar atenção ao que se passa na rua.

Há muito que um domingo meu não começava às sete da manhã. Na verdade, hoje as insónias deixaram-me acordada das quatro em frente, mas consegui dormitar na frescura da madrugada. A bem dizer, já no domingo passado, após a primeira noite passada aqui em casa, tinha acordado de manhãzinha.

Agora, café tomado no alpendre, a companhia do Branco, que segue transeuntes conhecidos do lado de cá do muro, mesmo sem conseguir vê-los, música do rádio a tocar uma melodia que faz lembrar filmes a preto e branco, percebe-se o porquê do meu tio António chamar a tudo isto (aquilo que fica no espaço entre os seus dois braços abertos) paraíso. Talvez a mim me pareça ainda mais idílico depois das insónias.

Calhava bem aqui a música What A Wonderful World, se não fosse um dos vizinhos andar a cirandar pela rua enquanto lava os dentes. Obrigado por estragares aqui o ambiente romântico seu dentuças.

Sou capaz de lhe seguir o exemplo, mas só enquanto estendo roupa nas traseiras da casa.

Vanessa

sábado, 19 de dezembro de 2015

Pausas energéticas

A electricidade tem falhado várias vezes por dia. É capaz de ser porque estamos numa época festiva e as casas estão mais cheias e, logo, mais aparelhos alimentados a energia são usados.

O primeiro sinal é as ventoinhas pararem. Pára também a música do rádio. Para mim, pára o sinal. O sinal. Já são raras as ocasiões em que estou offline. Quando acontece sem ser de propósito, é preciso habituação. 

Por exemplo, houve um dia em que estava a ler e a luz faltou. O primeiro impulso foi pensar que podia entreter-me na internet. A sério, Vanessa? Faltou a luz e faltou o cérebro nesse dia.

Aqui o normal é a electricidade falhar. Ainda que fosse agradável usar a internet à luz das velas, o que sabe mesmo bem é aproveitar a desculpa para fazer absolutamente nada. 

Ir ver as estrelas no céu (aqui é o sítio ideal para isso), conversar ou dormir são passatempos comuns nestas alturas. É por isso que quando falta a energia, o pessoal recarrega as baterias.

Vanessa

Em busca do sal encantado


Andava à procura de sal que não fosse refinado e com químicos adicionados, uma tarefa aparentemente difícil nesta zona de Goa. Todo o sal tinha o aspecto de sal de mesa, solto e fino, em sacos de um quilo.

Foi no Magsons, um supermercado pequenino de uma estação de serviço, que encontrei este moinho de 100 gramas de sal Himalaia por 80 rupias. É extremamente caro para os padrões indianos, tendo em conta que o quilo de sal refinado que a minha mãe tinha comprado foi 16 rupias.

Ainda assim, sal rosa Himalaia costuma ser dispendioso em Portugal e por isso nunca tinha experimentado. Supostamente é dos sais mais puros e aquele com menos sódio. Corrijam-me se estiver enganada.

Tem um sabor agradável, mais saboroso do que o sal convencional, por isso valeu a pena.

Vanessa

Et cetera

Venho de um país com padrões elevados de qualidade e fiscalização apertada para outro onde, muitas vezes, as listas de ingredientes são abreviadas com um etc. 

Calculo que uma pessoa mesmo interessada em saber o conteúdo do que pretende consumir não tem outro remédio senão ligar para a linha de apoio ao cliente ou algo do género.

De cada vez que leio uma lista de ingredientes e sou interrompida por um desses etc. sinto que estou a ser despachada. "Ai queres saber o que usámos na receita? Toma lá. Come e cala-te."

É tão estranho não saber a composição completa do que como, como é estar a tomar medicação sem saber o que tem ou que contra-indicações me podem importunar. Ignorance is a bliss, no?

Vanessa

Uma semana

Cheguei a Nagoá de Vernã, Goa, há uma semana. 

A estas horas estava à espera das malas no tapete do aeroporto de Dabolim e a tentar adaptar-me ao calor. Chegámos nas piores horas do dia, mas havia muito movimento nas ruas. Estavam uns 35º e muita poeira no ar. 

Do dia 12 ao dia 15 não consegui funcionar normalmente por causa da qualidade do ar. Dia 15 fui ao médico e comecei a tomar medicação para uma infecção respiratória. 

Os comprimidos (três; dois deles para tomar de manhã e à noite e um para tomar antes de ir dormir) foram vendidos em carteiras, sem caixas e sem nome visível. 

Não consegui procurar na internet para que serviam ou possíveis contra-indicações. Juntamente com um xarope, começaram a fazer efeito rápida e progressivamente. 

Aqui a medicação é prescrita para dias. Na farmácia chegam a cortar as carteiras de comprimidos para que as pessoas levem apenas aquilo que o médico indicou.

Não faço, portanto, ideia daquilo que estou a tomar, excepto o xarope que vem na sua caixa. Hoje é dia 19 e a medicação está a acabar. No entanto, os meus sintomas voltaram, depois de dois dias de folga.

Na verdade, dir-se-ia que estou a ter uma reacção alérgica a Nagoá. Além do nariz fechado (é mesmo a melhor forma para o descrever), da falta de ar e da tosse tenho agora parte da garganta bloqueada do lado esquerdo, uma ligeira dor de ouvido também desse lado, a pele coberta de bolhinhas, especialmente na face, e os pés e tornozelos inchados. Não esquecer que tenho sido permanentemente atacada por melgas.

Que aventura. Isto é para compensar quase nunca ficar doente em Portugal, com certeza. 

Ainda assim, tenho aproveitado bastante a minha estadia. Já tenho uma noção da rotina que vou ter, dos locais que vou visitar quase todos os dias e das fotos que quero tirar.

Tenho muito para escrever. Parece que nunca acabam os tópicos, os pequenos detalhes, as curiosidades. Se ao menos eu conseguisse dormir e respirar normalmente... Triste sina.

Vanessa

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Haja o "couver"

Ai, a couve indiana. Disponho de 46 quilos de bagagem quando voltar e acho que serão pelo menos 20 quilos de couve (o resto, talvez papaia, manga, aperitivos e etc., e é provável que a roupa cá fique). 

Esta couve lombarda ou couve branca é aparentemente igual à portuguesa, mas mais crocante e suculenta como uma alface iceberg. Além do mais, uma couve custou-me 16 rupias (uns 22 cêntimos de euro).

Aqui os petiscos servidos na rua, por exemplo, costumam ser encimados por um molho de couve ripada. Já vi pickles de couve e uma sopa parecida com canja, com fios de couve a boiar.

A couve é deliciosamente refrescante, especialmente porque aqui tudo é generosamente condimentado. Funciona como amortecedores para o palato, evitando o sobrecarregamento das papilas gustativas.

Não acredito que acabei de fazer uma ode a couves, mas é isso mesmo que isto é.

Vanessa

Back To Basics

It seems meals dictate our moves here.

Meal hours are our time limit for anything we do. By lunch time, breakfast is already being digested and most chores under way, as it's cooler and more manageable to engage into more tiring activities. 

Mid morning, there's some tea and maybe biscuits, some fruit or a piece of toast. Diabetes runs wildly in the family. I never wondered why. 

By this time, lunch is already a set plan and often a conversational topic that opens the discussion table about food. After lunch, a little snooze or sitting on the porch. 

From there until the afternoon, time flies and suddenly it's tea or coffee time, again with some snacks to keep one going until dinner time. 

I'm glad I never intended to immerse myself in this lifestyle and brought the means to keep working. Less than a week here and I have no more ideas about food to join the conversation. 

In fact, it's quite boring, even if one thinks about life after retirement (both my uncles are enjoying it now). Sleeping and eating does sound enticing, but only for a week tops, maybe two during vacations.

All of this makes me curious about how other people live their lives in Goa. I do know this is a wealthy village where people make the most of their last days on earth with the funds gathered during their active years, but even so, I see many other people without the familiar belly, produced by the sleepy lifestyle, and a faster pace. There must be something more to be done here, other than thinking about food, eating, planning the next meal, and going out to buy ingredients, and snoozing under the heat.

Right now, it's back to work for me. Mom is cooking pastries right now and asking me what do I fancy for lunch. I have always wanted to try fasting. It's been said it's very good for you. 

Vanessa

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Brandos costumes

Abriu um supermercado Pingo Doce no Restelo, Lisboa (Portugal), que vai funcionar 24 horas.  É a segunda loja da cadeia que vai estar sempre em funcionamento. É que nunca se sabe aquilo que podemos precisar a horas impróprias. Os desejos arrebatadores, nossos e dos outros, não têm hora e é sempre preciso alguma coisa. 

Por isso, é preciso um supermercado que nunca feche. Se eu precisar de lixívia porque, imaginemos, tenho desejos de limpar a sanita após um sonho perturbador, e me deparar com a situação de não ter lixívia, já estou assegurada. Se o jantar não tivesse bastado e o chocolate X me tivesse vindo à ideia para matar a insatisfação, também já tinha remédio. Ah, esperem. Lembrei-me de que não estou em Portugal.

Em Pirni, Goa, há uma moradia (nem chega a ser uma loja) onde se vende pão. Aqui chamam-no bakhri, apesar deste pão ser mais parecido com o pão de pita do que com um crepe salgado (bakhri é o nome de uma espécie de chapati). O padeiro recebe clientes uma hora de manhã e uma hora à tardinha. Normalmente chega a ser menos tempo, porque a oferta está limitada ao stock existente e o stock esgota depressa.

Parece que passei de um extremo para outro. Do consumismo quase frenético para a sobrevivência do mais desafogado de tempo e posses financeiras. Pelo menos estou no sítio certo. Só preciso de pão de manhã ou de tarde. Não 24 horas por dia. Agora, se ao menos o padeiro fizesse promoções especiais nos feriados... (Referência aos saldos que o Pingo Doce costuma fazer em feriados nos quais abre as lojas e ainda incita ao consumo.)

Vanessa

Aqui há gato


Esta é a Pish Pish. Não sei como se escreve o seu nome porque nunca alguém teve de o escrever. Então tenho de escrever como me soa. É um apelido melódico e com jeito de piropo. Parece que estamos antes a chamar alguém na rua: "Pish, Pish. Chega aqui". É adequado, tendo em conta que a Pish (só um, para abreviar) passa mais tempo fora que dentro de casa, pelo menos durante o dia. De noite é preciso ter cuidado para não tropeçarmos nela ou para não termos um ataque cardíaco quando acendemos as luzes. Ela pode estar em qualquer lado.

Exemplo: cá está ela, em cima do frigorífico.


Já sentia falta de ter um animal de estimação, mas em Portugal não dá jeito. Aqui não só tenho uma gata, como tenho também um cão. É assim um jackpot. Os animais são úteis, especialmente se forem predadores. Graças a eles não tenho visto por aqui muitas osgas e outros insectos indesejados.

É uma relação mais especial do que ter um animal para o trancar um dia inteiro num apartamento. Eles protegem-nos, nós fornecemos tecto e comida. A Pish Pish é especialmente adepta de linguado. Tem direito a peixe comprado especialmente para ela, mas pouco come. Mia sem razão aparente quando passa por nós ou quando estamos a conversar. Inicialmente pensa-se que está com fome, mas não come. Se lhe damos atenção vai-se embora. Não se percebe o que quer. Cá para mim a gata é autista.

Vanessa

Manhãs musicais

Já aqui tinha referido que a rádio vai passando músicas antigas, principalmente algumas que coloriram a minha infância e adolescência. De manhã desperta-se lentamente ao ritmo do sol e ao som de música que troveja por estas paredes. Não me atrevo a pedir para mudar as definições da aparelhagem para que o baixo deixe de ribombar. Não tem importância nenhuma aqui e ninguém nota.

Aqui a música vem quase sempre acompanhada de algum ruído. Ninguém se incomoda. Por exemplo, por vezes as estações de rádio estão mal sintonizadas e reagem ao movimento. O volume continua a ecoar pelas paredes, ruído à mistura, sem que alguém vá aperfeiçoar a sintonização. Também não tem importância. Quando não se ouve ou quando o rádio barulha, canta-se o que falta e está bom.

A rádio hoje passou músicas de Natal, o que não coincide com este clima. Ouvir falar de árvores de natal e de neve debaixo desta temperatura tropical é como viver num paradoxo. Ainda assim, as pessoas cá de casa trauteiam alegremente as canções que falam de frio, e prendas, e pais natal, e sinos que tocam, e crianças felizes. Talvez se congratulem por poder desfrutar do melhor do Natal, mas sem passar frio ou ter de lidar com neve.

Para mim não vai ser a mesma coisa. Mas não faz mal.

Vanessa

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Prevêem-se imprevistos

Na primeira noite, a internet não funcionou logo. A viagem tinha sido exaustiva, a chegada atribulada e a previsão de uma casa sem internet num fim de mundo como este foi no mínimo deprimente. Até que a electricidade foi abaixo. Aqui acontece muito. Nesse momento pensei na hierarquia das necessidades de Maslow e em como há certas comodidades que estão mal colocadas na hierarquia que fui construindo. 

Não ter internet não me pareceu tão assombroso como não ter luz de todo, por isso tudo correu melhor assim que a sala se iluminou novamente. Hoje, quatro dias depois dessa noite, faltou a água. Caso bem mais grave. Depois de aqui ter escrito de manhã que tinha tomado o primeiro de outros duches, não houve possibilidade de mais duches. Que destino cruel num dia de mais de 30 graus de temperatura.

Quando faltam coisas aqui, faltam também previsões de quando vão regressar. Apostámos que voltaria de certeza hoje e saímos para fazer umas compras que se prolongaram. Se tivéssemos voltado cedo ainda não haveria água. Assim, tudo se compôs. Deve ser assim que os locais pensam. Que tudo vai cair nos eixos porque a gravidade dá uma ajuda. Ou que basta um empurrão, que deus dá o empurrão que falta.

Por enquanto não sei nada dessas coisas. Sei apenas que me soube bem o segundo duche, já de noite e com o jantar feito, apesar de a água não ter pressão. Aqui vive-se numa constante falta, de tal forma que passamos a apreciar o pouco que se vai mantendo ou o pouco que volta depois de uma ausência. Por isso mesmo, estamos sempre à espera do próximo imprevisto. Ele há-de aparecer.

Vanessa

Meio caminho andado


Estou cinco horas e meia à frente da maioria dos meus amigos. As noites custam mais do que as manhãs, porque as manhãs passam depressa numa correria para aproveitar a altura em que o sol ainda não acordou totalmente. Mas aqui não há correrias propriamente. O corpo tem de se habituar aos hábitos alentejanos do ir fazendo para não derreter debaixo do sol e gastar energias preciosas.

Reduzir o ritmo é um desafio por si só, mas o fuso horário é o maior de todos. 

A tarde passa rapidamente, porque nessa altura já os meus amigos estão acordados em Portugal e tenho companhia quando estou ao computador. Quando chega a noite é preciso coordenar as tarefas para conseguir falar com quem quero ainda antes de ir dormir. Há ainda a possibilidade de ir dormir muito mais cedo do que o que estou habituada, para conseguir acordar quando ainda é de noite no país que deixei.

Calculo que as épocas festivas vão acentuar a diferença horária. Vou comemorar mais à frente, mas sempre de pé atrás. Agora é mais fácil lidar com o facto de que estou sempre a meio caminho andado em relação aos que me são mais próximos. De manhã não me importo de esperar até que acordem e de noite sou paciente o suficiente para aguardar que saiam do trabalho. O pior vai ser quando a saudade apertar a sério.

A foto mostra a porta de entrada que vejo quando estou ao computador. O sol já começa a cair como uma cortina. São 11 da manhã e o primeiro de dois ou três duches está tomado.

Vanessa

Jamming

Most radio stations we listen to here play tunes from long ago. This morning I woke up to Saturday Night by Wighfield, got ready while Inner Circle's Sweat blasted the sleepiness away and had breakfast to one of the most recent songs I've heard here... What Makes You Beautiful by One Direction. I have no idea what they say during commercial breaks or on the newscast, but it certainly doesn't matter. It was on the 80s and 90s that most cool songs were created. So I was having cereal for breakfast and thinking of jam. My jam(s).

Vanessa

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Cheira-me a esturro

Como se não bastasse o trânsito agitado, com motas que largam nuvens de fumo preto, carros que fazem barulho de motas e libertam um cheiro ainda mais forte, autocarros que parecem ter sobrevivido a uma guerra mundial e carrinhas de transporte sobrecarregadas, há ainda o constante odor a esturro. 

Aqui as pessoas queimam nos seus quintais o lixo produzido nas suas casas. É habitual verem-se cortinas de fumo quando se passa por residências. O cheiro quente das queimadas domésticas penetra pelas janelas, difundindo-se por todo o lado, especialmente quando há ventoinhas a funcionar.

O ar fica pesado e sufocante, com a brasa do sol a misturar-se com a actividade humana. Aqui vive-se numa bolha onde o ar é sujo e desgastado como as ruas. Quando um dia saí pela porta da cozinha para apanhar ar, reparei que há um mecânico aí em frente. A juntar-se ao constante barulho de motores a serem testados, há ainda as largadas dos tubos de escape que pintam o ar de tons escuros.

A falta de qualidade do ar chega a ser tão atrofiante que me fez pensar que a Índia podia ser um país mais desenvolvido se houvesse ar puro. As pessoas aqui parecem imersas em letargia, exaustão e com queda para a compreensão lenta. É desta forma que me tenho sentido desde que aqui cheguei.

Eu aposto que é do ar. Não me parece possível seres humanos funcionarem em todo o seu potencial num ambiente envenenado como este.

Vanessa

Estou na Índia e gosto de um Branco


O Branco é o cão da casa dos Sena. Não me parece que seja um bom cão de guarda, apesar do sinal "cuidado com o cão" que está no portão. Quando me conheceu não mostrou suspeitas nem agressividade. Pelo contrário. Não só é amoroso como muito esperto. Por exemplo, encosta-se às pessoas, deixa que lhe façam festas e vai-se movendo para que as festas calhem onde lhe convém. Engenhoso, não?

Além disso, parece nunca se fartar de festas e atenção. Aliás, nunca são suficientes. Quando passa por alguém, encosta-se e faz uso da língua para chamar a atenção. Quando a consegue, deita-se de costas e agita as patas para que não esqueçamos as festas na barriga já generosa, uma vez que outro dos seus engenhos é obter pedaços de comida aqui e ali. Quando finalmente se cansa, deita-se a nossos pés.

Há muito que não tinha um animal de estimação. Neste momento há o Branco e uma gata. Ele parece hiperactivo e ela autista. Até agora, cada um afasta-se do caminho do outro e pedem atenção em alturas diferentes. Se calhar é de propósito. Sou uma pessoa de gatos, mas é o Branco que me tem feito mais companhia.

Vanessa

When In Doubt, Choose A Thali


A thali is a plate with a selection of small dishes that one can order when eating out. It's usually inexpensive. This one was 80 rupees, which is a little over 1 euro (1 euro = 73 rupees). I actually chose a simpler one, but the waiter suggested the special version of the one I chose. It's very common to be suggested to try another, more expensive dish when you order something at a cheap place. 

So I went from a 60 rupee (less than 1 euro) thali to this one and I was not disappointed. Dad had told me that this is one of the best ways to have lunch in Goa and that I would enjoy the vegetarian options. This is a veg one, as they call it here. I did enjoy it very much with a cold lime juice.

Unfortunately, I cannot properly grasp Indian English yet, so I almost could not communicate with the waiter with anything but basic English words, pointing at the menu, and some rudimentary sign language. I wish I could have asked about all the things I was eating. They were all delicious and spicy. 

Thalis are a good way to taste a selection of meals in one plate. Rice and chapati (the flat, plain pancake) are always there, but the dishes change according to the region and places one chooses. Curd (yogurt) is a must, as it is eaten last as a palate cleanser and to improve digestion. 

This one included mango pickle (called achar), coleslaw without mayo, and dessert (the orange spiral thing, which is called jalebi). The other dishes had dhal (lentils), chickpeas, potato, eggplant, and cabbage. I wish I knew what that rosy water with cilantro leaves and green chili pepper was. I mixed it with the curd.

Thalis will be my best friends whenever I get to eat out. It's an easy choice, as I love Spanish tapas. Forrest Gump's mom would love thalis as well, since you never know what flavor you're going to get.

Vanessa

Goa é de cortar a respiração


Para a falta de higiene, o trânsito desvairado, os pedintes com bebés ao colo e o calor eu já estava preparada. Ao terceiro dia cá, fomos visitar Margão, com todo o seu esplendor de edifícios decadentes, ruas pegajosas ou húmidas, cartazes com marcas conhecidas em contraste com o terceiro-mundismo das ruas, pó que se prende ao nariz e uma constante neblina de gases que nos abraça como se fôssemos velhos amigos. 

Foi para Margão que andei num autocarro indiano pela primeira vez e foi em Margão que entrei numa farmácia indiana pela primeira vez. Precisava de conseguir respirar melhor.

Desde que cheguei, é como se vivesse em constante falta de oxigénio. No primeiro dia, o jet lag e as muitas horas no avião fizeram-me confundir as vertigens súbitas, o tamborilar nos ouvidos e o nariz entupido com o cansaço da viagem. Depressa percebi que o que se passa é que Goa deixou-me literalmente sem ar.

As noites têm sido interrompidas por despertares em pânico com aquilo que me parecem ser ataques de asma. Acordar no escuro do quarto abafado (a ventoinha só faz circular o ar quente) sem conseguir respirar não é agradável. O cérebro, já de si esgotado devido a dias inteiros sujeito a ar rarefeito, activa o modo de emergência. 

A falta de ar, o escuro, o calor transformam o quarto onde durmo, que é enorme e com um tecto a cerca de quatro metros do chão, num caixão ou num mar onde me pareço afogar. Reconheço a sensação, porque em pequena já quase me afoguei. Não, para isto eu não estava de todo preparada. 

Em Portugal, vivo ao lado de uma serra e há ar puro em abundância. Aqui o nariz tem de filtrar tão desconhecidos aromas e sujidade que não há outra solução senão ficar entupido. Na farmácia sugeriram umas gotas nasais para sinusite e rinite. Resultou nas duas primeiras aplicações e o alívio até tornou mais vivas as cores à minha volta. Contudo, depois disso deixou de funcionar.

Segue-se agora uma consulta no médico. Entretanto, esta experiência fez-me valorizar as pequenas coisas que nunca se destacaram por estarem garantidas. Afinal, seres vivos dependem de oxigénio. Mas aqui vive-se em constante asfixia. Depois de 28 anos de oxigénio em abundância, não me consigo habituar a isto.

Vanessa

P.S.: Ricardo, esta foto é dedicada a ti.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Locais a não perder em Nagoá de Vernã


O subúrbio é sempre uma zona para onde se pode fugir do desvario do centro das localidades. Em Portugal, o meu chega a ser deprimente. É muito difícil que os arrabaldes não se transformem num dormitório sem actividades recreativas. Nagoá de Vernã é um pequeno subúrbio em Goa. No fundo, é uma zona residencial onde todo o charme está concentrado nas vivendas majestosas com detalhes coloniais, cores esbatidas pelo clima e pequenos pormenores que fazem lembrar as casas dos contos de fada. 

O movimento próprio do comércio concentra-se numa rua chamada Pirni. É mesmo quase só uma rua, onde param diversos autocarros, onde pára o trânsito para deixar fluir o trânsito de pessoas, onde as buzinadelas são música de introdução a lojas onde se vendem produtos em embalagens coloridas e onde é preciso explicar o que se quer não só com palavras, como também com gestos para garantir que a mensagem chegou ao destinatário. 

O ponto alto para mim é a chamada biblioteca, ao lado do ginásio. Ambos estão perpendiculares a um campo de futebol que atrai rapazes de calções e bronzeado carregado. O ginásio é um quarto com máquinas de exercício físico, música alta com o baixo a fazer estremecer as janelas e uma mensalidade equivalente a 1,5 euros. Não há balneários, mas aparentemente a música vale a pena e não há horário fixo. Que se saiba. 

A biblioteca é outro quarto com um espaço suficiente para uma prateleira inteira a que gostava de conseguir dar vazão antes de ir embora de Goa. O repertório inclui John Green, John Grisham e Ken Follet. Nada mau para um subúrbio. Em Portugal, o meu subúrbio nem biblioteca tem. Este conta com a colecção Harry Potter e até a das 50 sombras do homem cinzento e mal-humorado. Do lado direito, alguns computadores estão por montar. Com sorte, vão passar a fornecer internet também. Para já, bastam-me aqueles livros. A senhora disse que por conhecer o meu tio eu vou poder requisitar os títulos que quiser para ler em casa.

Os livros são o meu tipo preferido de exercício físico. Do ginásio, vou só aproveitar a música de cada vez que visitar a biblioteca. Tipo todos os dias ou algo do género.

Vanessa

Avulso

A minha família em Goa comprou-me iogurte sem gordura e leite magro. As embalagens são modernas, coloridas e anunciam ingredientes naturais e saudáveis. Quem me conhece sabe que prefiro produtos sem que lhes tirem elementos preciosos como gordura e doçura. O põe aqui, tira dali não me agrada no mundo moderno. 

De qualquer forma, aceitei os produtos, mas em conversa já lhes disse casualmente que o meu objectivo aqui é consumir os produtos locais, da forma que os locais o fazem. Produtos vendidos avulso nos mercados com um preço regateado. Hoje, o meu iogurte sem gordura foi temperado com um fruto que aqui chamam chikoo e com kiwi. Estou a aproveitar o melhor de dois mundos. 

Vanessa

Improvise And Improve

I consider myself Portuguese. Okay, part Portuguese. If there is one thing we, Portuguese people, like doing when talking to foreigners is to brag about the peculiarities of the Portuguese idiom that cannot be grasped by anyone else other than Portuguese natives. Yes, we have a special word for yearning something or someone (saudade) and that is a common theme in many of our cultural outlets. Yes, we enjoy talking about it as if it's one detail that makes us special to others because apparently melancholy is something to be proud of.

This must be one of the elements that defines a Portuguese person, even one that is only an honorary Portuguese, because I caught myself talking about saudade to outsiders, who ended up looking condescendingly or understanding at me while I talked about ancient Portuguese history and deep feelings that can only be understood by adopting a culture like one's own, and embracing what cannot be seen.

Later in life, I learned that the best way to explain the Portuguese culture is by talking about the culture of improvisation. Portuguese people have a bittersweet feeling towards improvising. It's something we do with great skill. However, it indirectly indicates that we leave things until the last minute and therefore have the ability to use whatever means available to still make whatever needs to happen really happen.

We call it desenrascanço (noun), because we do have to make up special words to define things we do in a special way. Desenrascar (verb) is improvising, Portuguese style. It's similar to winging it, you know? We need glue, but there's none. We use chewed bubble gum. We need a screwdriver, we use a key instead. Those sorts of things. 

I like saying I learned to desenrascar when I went to college. Journalists do have to be able to wing it, as if we all had to deal with worst case scenarios. I never had to deal with things other than the crisis, the sudden lay offs, unemployment, difficult bosses and so on. But improvising, Portuguese style made me better equipped to deal with life in general. That I know because, now, living in Goa, India, there is no other way to go by.

Goa was a Portuguese colony. I sure hope those who keep the Portuguese language alive do remember to explain how we use improvisation to improve at least our world. Saudade is not enough to represent the Portuguese culture anymore. There's so much more to us than feelings.

Vanessa

Moçambique-Portugal-Goa

Nasci em Moçambique, vivi desde sempre em Portugal e sou goesa. É mais ou menos isto que depreendi do que a minha família me tem dito ao longo destes 28 anos em que existo. Neste momento é em Goa que estou, desde o dia 12 de Dezembro. Digamos que é uma aventura aqui estar, porque uma mentalidade europeia aqui tende a adorar este sítio ou a definhar. É fácil perceber a razão e choque cultural é algo que está na ponta da língua de muitos viajantes. É mesmo um grande choque passar do ocidente ao oriente.

A minha estadia aqui tem uma validade de pouco menos de seis meses. Não foi uma decisão fácil, nem tão pouco agradou aos que me são mais próximos. Vim porque se estava a tornar ridículo não conhecer as origens da família Sena e porque a curiosidade levou a melhor. Da família Sousa já conhecia um pouco. Moçambique foi um país agradável de se conhecer e permanecer, mas apenas por um curto período de tempo. 

Agora vou conhecer um outro tanto dos Sousas, já que também membros desse lado da família escolheram Goa como destino. Uma característica comum a ambos famílias é os seus descendentes parecerem preferir não ficar no local onde nasceram. Além disso, muitos não nasceram no local de onde é originária a família. Talvez tenham sido os Senas ou os Sousas a inventar isso da globalização. Quem sabe. 

Até agora, a experiência não desiludiu em emoção e comoção. Já desconfiada disso, o primeiro elemento a ser arrumado na mala foi um bloco de notas generoso. Quem me conhece sabe que tirar notas sobre o que observo e contar estórias são as principais razões que me levaram a escolher o jornalismo como profissão. Isso e mudar o mundo, mas felizmente já não sou tão ingénua. É altura de usar o que aprendi e aquilo de que gosto para partilhar curiosidades. De nada vale saber coisas, se depois não as partilhamos, certo?

Vanessa

domingo, 13 de dezembro de 2015

Aquele em que ela se apresenta (mais ou menos)

Poucas vezes escrevi sem ser anónima, excepto em trabalho. Há uma certa descontracção em saber que quem nos lê nem sempre nos conhece. Havia. Por agora é altura de assumir a identidade das minhas palavras. Ao menos na internet há lugar para todos os profissionais e amadores da escrita. Aproveito esta oportunidade para desfrutar do meu, que é aqui mesmo. Bem-vindos ao meu espaço. Sirvam-se de uma bebida e sintam-se em casa.

Já assinei artigos vários com Vanessa Sena Sousa. Geralmente assino tudo o resto com Vanessa Sousa. Os amigos chamam-me apenas Vanessa. Alguns associaram-me apelidos diversos. Resumindo: olá. O meu nome é Vanessa e vou escrever aqui. Estão avisados. (Outro aviso: gosto de informações entre parêntesis and sometimes I enjoy writing in English.) Não posso prometer periodicidades ou temáticas por enquanto. Provavelmente vou escrever sobre tudo e sobre nada. Inspiração, neste momento, não me falta. Até logo.

Vanessa