terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Três razões pelas quais o tempo parece passar mais depressa em Goa

A minha família diz que o tempo em Goa parece passar muito, muito depressa. Depressa do tipo, uma pessoa acorda, despacha-se, toma o pequeno-almoço, sai de casa e de repente já o dia passou.

Eu não sinto que o tempo passe muito mais depressa em Goa. É verdade que sempre disse que com o passar dos anos parece que o tempo sofre ali uma mudança qualquer e deixamos de ter tempo suficiente para tudo, mas sei que isso é apenas uma ilusão causada pela intensidade da vida de hoje em dia.

Quando vimos para Goa estamos mais sujeitos a perceber fenómenos como este do tempo, porque nos tornamos mais observadores. Isso acumula-se às três razões pelas quais o tempo passa mais depressa. É um efeito cumulativo que depois se manifesta na forma como sentimos e vemos o que nos rodeia.

Que três razões são essas? A meu ver:

1. Ninguém percebe nada à primeira. Além de familiares que beneficiariam a sua qualidade de vida se fizessem um rastreio auditivo, há ainda uma outra barreira mais difícil do que a dos tímpanos quando falo com locais que não são familiares: o idioma. Salvo duas ou três excepções, as pessoas nunca, mas N-U-N-C-A me percebem à primeira tentativa. Primeiro porque estão à espera de ouvir falar concani ou hindi ou marathi. Levam comigo a falar inglês e ficam baralhadas. Segundo porque o inglês que conhecem é diferente do meu. Diferente no sentido em que o inglês delas é apenas um mecanismo de ligação entre frases numa outra língua. Terceiro porque o meu sotaque é assim para o europeu e com um toque de pessoa latina que aprendeu inglês há pouco tempo.

Conclusão: uma pessoa repete e acaba por perder tempo assim, a repetir e a tentar fazer-se entender.

2. É tudo longe para burro. Aqui o que me dizem que é perto é longe para mim. Nos meus termos, mais de 15 minutos de caminho é longe e 30 minutos é bastante longe. Na minha mente 30 minutos são uma hora, porque conto com a ida e com a volta. Uma hora dá para fazer muita coisa. Só que não. Aqui uma hora não dá para esticar por diversas actividades, mas uma hora em viagem é muito tempo desperdiçado. Já para não falar que as estradas parecem carreiros de cabras com alcatrão atirado ao calhas por cima. Já para não falar que por onde quer que vamos há sempre o risco de haver um acidente que causa filas intermináveis, não haver espaço suficiente na estrada para passarem dois carros, o que gera aquele pára-arranca que dura vários minutos, ou outra coisa qualquer. Já para não falar na falta de sinalização.

Junte-se a isso o cansaço que é qualquer viagem aqui. Só de saber que vamos andar 10 minutos de carro já cansa. É as buzinas, é os buracos, é as ultrapassagens loucas, é as vacas e os porcos e as galinhas. O cansaço causa lentidão. Lentidão atrasa qualquer actividade. E assim passa o tempo.

3. O subdesenvolvimento. Aqui não há hipermercados. Como tal não há um sítio para comprar todas as coisas que precisamos. Claro que há um ou outro mini-mercado mais composto e bazares, mas não dá para tudo. Comprar peixe, carne, congelados tem de ser bem orquestrado por causa do calor. Tem de ser planeado e executado à risca sob risco de se apanhar uma intoxicação alimentar. É também preciso estômago para ir ao bazar, levar com o cheiro da carne de dias anteriores e dos dejectos dos animais que esperam pela carne desse dia, e ver a carne pendurada sem refrigeração. Com o peixe é a mesma coisa. Aqui não há embalagens com coisas já prontas a consumir excepto batatas fritas e fritos indianos e outras comidas processadas. Por isso perde-se algum tempo a comprar e a arranjar os alimentos e a cozinhá-los.

Quando não sabemos onde comprar algo ou onde fazer algo ou onde cumprir burocracias temos de andar a perguntar. Lá está o ponto 1. Muitas vezes não nos percebem, muitas vezes nem sequer sabem, muitas vezes nem sequer há num raio de 10 quilómetros. Aí vem o ponto 2. Quando lá descobrimos os sítios há a demora do processo ou da compra. Ponto número 3. Aí estão as três razões pelas quais o tempo parece passar mais depressa em Goa. Como podem ver, amigos e familiares, não é à toa que eu me queixo da falta de tempo.

Vanessa

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