sábado, 30 de abril de 2016

Book Review | Killing Me Softly by Nicci French

I was a teenager when I first read this book, translated into Portuguese. Nicci French quickly became my favorite thriller writer(s), but over the years that faded. My copy of Killing Me Softly was then lost when I lent it to an acquaintance. It was after that that I learned not to lend books to people I didn't fully trust.

It was just last week that I found this novel again, at a book shop in Colva, Goa, where tourists leave their things to be sold to help a charity. Books there are all 50 rupees each. I decided to replace my lost copy with this one, this time in English. Then, as I wanted something entertaining and not too dense to read, I decided to reread this one and see what my own fuss about it was about. Well, I can see why I did like it.

The prose is very to the point and through Alice one discovers a world of obsessive, passionate and even cruel love that escalates and escalates until it climaxes and leaves one sighing for more. I always found her, the narrator, to be somewhat distant at certain moments, summarizing certain details but not the whole picture.

However, that incomplete, partial vision gives this book a chilling voyeuristic perspective, almost like watching it all unfold through a peephole. For some reason, though, reading it feels sadistic, like satisfying a morbid curiosity. One wants to know how this romance gets intense, how much more can happen, and then at times you're left with bits of dialog that leaves it to the imagination. I guess that's one of the reasons why I liked this book so much when I was a teenager, it's because it's so cruel to readers sometimes.

Reading it is a pleasure. I have seen the movie, some time back, and I remember it had a different twist. I still prefer the book. I prefer the Adam my young imagination created and that stuck until now.

8/10

Vanessa

Capela de Jesus de Nazaré, Siridão | Jesus of Nazareth chapel

Ali vista é magnífica, o ar é fresco e impregnado de misticismo como só os lugares cheios de história conseguem ser. A Capela de Jesus de Nazaré em Siridão fica no topo de uma colina com vista para a praia de Siridão, que já tinha visitado logo no início da nossa estadia em Goa, e faz lembrar as igrejas portuguesas.

No entanto, quase de certeza que não foi construída por portugueses, ou pelo menos não por portugueses católicos, já que há diversas provas de que tenha sido uma capela jesuíta. 

Não consegui fotografar a abóbada que fica por trás desta fachada (fachada essa que é uma extensão dessa abóbada), nem o interior com os cinco buracos na parede que se pensa terem sido feitos para guardar os rolos da Torah, nem os detalhes que remetem para a arquitectura das sinagogas.

Ficam estas fotografias superficiais da fachada católica, da forma como o sol se ia escondendo preguiçosamente lançando uma luz especial sobre a paisagem, do Cristo Rei, em miniatura comparado com outros pelo mundo mas que atrai jovens a tirarem selfies, daquela árvore frondosa que me cativou imediatamente e que o meu tio disse ser única em Goa e provavelmente plantada por portugueses, e daquela pequena ruína com ar histórico onde se vê encavalitado um tronco com raízes a abraçar as paredes que mal se sustêm.











Vanessa

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Chineses, onde estão vocês?

Quero uns fones (é assim que se escreve em bom português). Quando vou a lojas de artigos eléctricos ficam a olhar para mim como se estivesse a pedir marijuana. Quero uns fones, simples, peço eu. Trazem-me fones de telemóvel, a maioria com microfone. Não, quero fones simples. Trazem-me headphones daqueles que cobrem os ouvidos e que depois de uma hora com eles postos fazem doer os ouvidos. Não, obrigado.

A minha procura tem sido uma repetição de frustrações. Até que hoje, lá encontrei umas barraquinhas onde se vende de tudo um pouco que tinha uns fones da Sony que até se adaptam ao walkman da Sony. Walkman? O meu primeiro e último tem mais de 10 anos e menos de 20. Mas isto ao menos são fones, dos simples, por 200 rupias porque foi o limite da regateação e porque o rapaz estava lá ocupado a consertar um tablet. Contra a minha habitual conduta, comprei uns fones numa embalagem que não estava selada. Uma pessoa aqui acaba por ter de ceder em algumas coisas. Ao menos passaram recibo.

Vanessa

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Precisão

Nunca gostei de não ter sinalização suficiente pelo caminho para chegar ao destino, como aquelas singelas placas que depois não têm continuidade quando estamos num aperto, isto é, num cruzamento.

Há muito disso em Portugal. Segue-se uma placa com o nome do sítio para onde queremos ir, mas depois nunca mais há placas e temos de ir adivinhando ou perguntando ou activando o GPS para nos safarmos.

Ora que belo país fui escolher para passar seis meses e querer fazer coisas.

Se tivermos sorte o local que queremos visitar tem uma placa. Há casos onde nem isso. Vamos vendo o caminho no Google Maps em casa, porque não vale a pena confiar nos dados móveis quando já estamos em andamento, para nos situarmos na memória geográfica e depois o resto é trabalho de improviso.

O que nos vale é que as pessoas aqui são elas próprias autênticos GPS. Fico encantada com a facilidade com que as pessoas a quem perguntamos caminhos nos conseguem dizer a quantos metros ou a quantos quilómetros fica tal sítio e ainda nos indicam uma ou outra referência para sabermos que estamos a ir bem.

É que não foi uma vez ou duas vezes. Já são vários os exemplos de como aqui as pessoas parecem ter engolido um mapa. Se calhar é assim que os indianos se entretêm quando falta a internet e falta a televisão e falta o telefone (BSNL, que andas a fazer?) e falta a água.

Vanessa

Book Review | Gone Girl by Gillian Flynn

"Gone Girl is a book you'll be begging other people to read, just so you can discuss it with them" wrote the Mail on Sunday. Yep. I can only agree. Please, if you like reading, do read it.

I can't begin to say how much fun this book was. There are no words for it. I have seen the movie and knew more or less how it ended, but I still could not let this book go until I got to the last line and then I had an interview with the author that made me want to read the other two books she wrote as fast as I can.

Gone Girl was wonderfully catching for someone who loves reading, writing and studied communications. Besides both main characters' careers in print, the media frenzy and need to portray a bad guy described in Gillian Flynn's book was a gripping study on how media works these days and how little the public can know about an event before passing judgement and crucifying someone. Yes, this book is biblical.

The novel is narrated by Nick and Amy, two distinct voices that tell their side of the story, always partial and always just one side of things so that the reader can be surprised at all the twists and turns.

There were no boring moments, no lazy subterfuges, no easy ways out. It was all fun, really. There were always thoughts that surprised me, there were always depictions of love both dark and obsessive as interesting and innovative, there were always fearful ideas from a beloved character that made one cringe.

I suspect this book provoked all manners of expressions on my face. I remember I winced and I laughed and I chuckled at how brilliant some remarks were. I guess Flynn caught me early on and for that all the little flaws the book must have, because no book is perfect, were taken as a way to remind me all that I was reading was merely a work of fiction. This book is one of the reasons why I love fiction.

10/10
Vanessa

terça-feira, 26 de abril de 2016

Proporcionado

Estive a ler este artigo sobre porções em termos nutricionais, que é aparentemente um problema gigantesco hoje em dia, roubando ali a metáfora do título do The Guardian. 

É interessante porque parece-me que aqui as pessoas comem imenso coisas que aprendi terem de ser regradas. Arroz, por exemplo. Aqui come-se arroz como nunca vi, tipo o equivalente a mais de duas mãos grandes bem cheias, a transbordar. O artigo indica que a porção recomendada de massa, 150 gramas, é do tamanho de uma bola de ténis e a de batata, 180 gramas, é do tamanho de um rato de computador.

Aqui é normal as bebidas serem açucaradas a preceito. No campo das sobremesas, tudo o que é doce, aqui é super doce e unido em formatos e untado com ghee. Toma lá colesterol e diabetes numa só dose, em pedacinhos coloridos, com um design que faz lembrar as tatuagens de henna em formas de papel.

Aqui o que fazem bem é a dose de proteína animal, que normalmente é pequena comparada com a dose portuguesa. É assim uma palma de mão, mas com muito molho. Legumes nem vê-los. Talvez cenoura e ervilhas, a boiar nos molhos engrossados por coco ou dahl. Falo dos goeses. Os hindus parecem mais saudáveis.

Aqui uma pessoa esquece-se de certas coisas que aprendeu na escola, é verdade. Continuo a não conseguir comer num só dia a dose que os goeses consomem de arroz. Juro. De hidratos prefiro o que os hindus têm para oferecer: chapatis, rotis, naans. Confesso que tenho um carinho especial pelos caris de legumes (ai o veg kolhapuri) e pelas lentilhas à moda hindu. Ainda não me fartei das samosas de legumes, normalmente de batata e lentilhas. Ainda ontem a minha dose ultrapassou a recomendada.

Aqui as proporções são de acordo com a vontade.

As minhas são sempre bem liberais.

Vanessa

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Achados

Encontrei finalmente os tais amendoins de que andava à procura num sítio de beira de estrada chamado Sneak & Snack. Estavam lá pendurados junto a outros pacotes de coisas salgadas e gordurosas, em dois formatos diferentes, com um certo aspecto de abandono que resolvi num instante.

Primeiro levei toda a fila dos pacotes de cinco rupias. Eram 12 no total. Durante o jantar de chicken manchurian e dahl fry e naans assados em lenha pensei melhor. Fui lá comprar toda a fila de seis pacotes de 10 rupias.

Senhora do balcão: You like this very much, no?
Eu: Yes. I do.
Senhora do balcão: Are these all for you?
Eu, a mentir descaradamente: No, my family likes these too. I'm going to share with them.

Não. Todos meus.

Vanessa

Um mês

Nisto tudo, já só falta um mês. Eu, que não costumo usar pontos de exclamação, vou tomar a liberdade: já só falta um mês para regressar a Portugal!!! Descansem que não vos vou aborrecer com contagens decrescentes a partir de agora, até porque é provável que não haja tempo para isso. 

Acreditem, com todo este conjunto de circunstâncias, vou andar a publicar sobre Goa mesmo depois de já ter regressado a Portugal.

Só de pensar que daqui a um mês vou desfrutar de serviços de recolha e tratamento de  lixo até me apetece saltar de alegria. Idas ao caixote de lixo passarão a ser um prazer. 

Perceber o idioma, nem se fala. 

Vai ser um festim tratar de papéis, se o tiver de fazer em Portugal. Ao menos os documentos não precisam de levar carimbos de cada notário que houver na cidade (exagero de quem já passou por poucas e boas). 

A internet com fibra vai ser um autêntico deleite. Já para não falar do café. Ai a bica

Não haverá perigo de apanhar uma intoxicação alimentar em apreciar um bife mal passado. Não mais irei comprar um produto sem poder ler os ingredientes que o compõem. 

Não estou a brincar. Para os indianos a lista de ingredientes está lá só para cumprir normas. É comum uma pessoa comprar queijo e ter nos ingredientes: queijo. Isto se não levar com um etc

Vá lá que as garrafas de Coca-Cola informam o consumidor de que a bebida não contém fruta. Que alívio. Só de pensar em comprar uma bebida e depois ler nos ingredientes a referência a fruta até me enjoo.

Enfim, se há coisa que levo desta viagem é esta nova apreciação pelas pequenas coisas nas quais nunca antes tinha pensado porque pareciam tão normais. Por outro lado, levo também um conjunto novo de coisas longínquas das quais me vou lembrar com alguma saudade ou talvez apenas nostalgia.

Agora tenho um mês para aproveitar, o que é pouco tempo para sequer pensar em saudades de coisas portuguesas, mas porque hoje é dia 25 de Abril, tomo a liberdade de dizer que sinto a falta do frio.

Vanessa

domingo, 24 de abril de 2016

Semelhanças: Goa e Portugal

Goa é parecida com Portugal.

No mapa, por exemplo, Goa é um extenso litoral guardado por mar, com um interior rural e território constantemente visitado por turistas, enquanto que a população mais jovem se vai embora. 

Goa e Portugal são compostos por riqueza bruta, por desenvolver ou só por aproveitar: terra fértil, paisagens virgens, rocha moldável, água pura, pessoas fortes e trabalhadoras, um idioma difícil mas melódico.

O peixe e o marisco são abundantes e saborosos, e servem de inspiração culinária. A doçaria é robusta, feita de farinhas e grãos e açúcar com fartura. Cada região se demarca com pratos distintos, desenvolvidos durante séculos, inspirados pela fartura mas também pela escassez. 

A religião dita o calendário e marca um compasso de festividades e reuniões familiares.

Vêm os políticos e estragam tudo a seu bel-prazer, beneficiando amigos e familiares em detrimento do bem comum. Quando se tenta fazer alguma coisa, uma pessoa perde-se no labirinto burocrático.

Mas as paisagens, as paisagens compensam os contras. As paisagens são um dos prós que faz valer a pena. É uma paisagem que renova o espírito, que acentua o vigor, que faz esquecer os problemas.

Nestas descrições podia estar a referir-me a Goa ou a Portugal.

Há muito que engloba ambos, como se um fosse um reflexo do outro.

Não sou fã de referências populares, mas "Eu tenho dois amores" e estes são muito iguais.

Vanessa

sábado, 23 de abril de 2016

Que gatos












Já tinha prometido fotos de gatinhos. Cá estão elas, mais um bónus.

Vanessa

Book Review | A Thousand Splendid Suns by Khaled Hosseini

A Thousand Splendid Suns is a thousand times splendid. I never got to read The Kite Runner, but this book already made me a fan of Khaled Hosseini, even though it's hard to read his knowing words about the lives of women in Afghanistan, especially the lives of the two main characters in the book.

All the cruelty depicted in the story is haunting because it exemplifies horrors we can only imagine. War and religion and poverty create a subplot that only makes suffering dense, transpiring from the pages.

One finds himself admiring the two women, one quietly, patiently enduring, the other intelligently revolutionary in her own way, and their strength together. One finds himself doubting they're only fictional, hoping they're really not because such women are needed in places like Afghanistan and all over the world.

It's hard not to be moved by A Thousand Splendid Suns. Sometimes it's hard to fight back the tears. It's hard not to think, "What are they doing to these human beings? Why is all this allowed?!"

The book is beautiful, it is. But more importantly, it raises awareness and makes readers think about more than just what's broadcasted on the news about Afghanistan. It reminds us there are people living there.

9/10

Vanessa

sexta-feira, 22 de abril de 2016

É assim a vida

Em Portugal já tive algumas surpresas. Melhor dizendo, em Portugal já pisei algumas surpresas. Um ou outro presente deixado por um animal aflito, um ou outro insecto, um ou outro bocado aleatório de lixo, tudo isso já me passou debaixo das solas e até mas sujou. Aqui estou noutro mundo onde basicamente o chão é invariavelmente uma lixeira a céu aberto, por isso é preciso mais atenção ainda.

Só que acontece que nos passeios ninguém se desvia. Então temos de olhar bem para o chão e bem para a frente e bem para os lados para não só não pisarmos nada, como também para não darmos encontrões. Não nos esqueçamos também que os passeios são estreitos ou inexistentes, por isso temos de prestar atenção aos veículos de duas, três e quatro rodas que passam ao lado mas que nos podem passar por cima, porque aqui não há cerimónias e vai tudo a eito porque os indianos andam todos cheios de pressa.

Achava eu que estava absolutamente preparada, munida de toda a informação de que precisava para andar por essas ruas indianas e chegar a casa segura e inteira. Só que não. Hoje de tarde ia um pouquinho mais distraída pela rua fora e quase que ia sendo atropelada. Por uma vaca.

Vanessa

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Paisagem de passagem


Não tenho termo de comparação. Não sei o que mudou, à excepção do que me conta a família, e não sei como mudou. Tudo é novidade. Tudo é paisagem nova. Tudo é motivo de conversa e de escrita, e tanta que tem havido. Às vezes olho para detalhes como este, uma ilha minúscula, quase sem terra, ali em Vasco da Gama, que não sei se está em água de mar ou em água de rio, e questiono-me sobre as suas origens. Quão grande terá sido, quão pequena ficará? Estará ainda aqui quando e se um dia voltar a Goa? O que mudará entretanto?

Vanessa

terça-feira, 19 de abril de 2016

Book Review | Winter in Madrid by C. J. Sansom

Set in the aftermath of the Spanish Civil War and the beginning of the German invasions that set the Second World War on fire, Winter in Madrid is a novel in which characters deal with the context of hunger and discontent while pursuing their lives and being trapped by their surroundings. Sansom is a new author for me and apparently he specializes in crime novels. Well, then, this was the perfect book to get to know a writer.

Part thriller, part romance, part historical, this novel was quite grabbing, but not at first. I had a hard time attaching to the characters, maybe because they were all so gloomy. Everything was, really. It's hard to think about happy times when it comes to the Spanish Civil War. The little details, like starving dogs and mistreated children, were all haunting. They stay with you throughout the story and even beyond.

I felt this was a quick read, though. Once the story developed, until the climax, everything seemed sudden and a little bit rushed. The conclusion was also bittersweet in the sense that there was a time jump and then you get to know everyone's fate once the dust settled. I wanted to know more, I guess.

I also had a hard time following the historical details and characters. I was not involved in it, I guess. Everyone related to Spain's history seemed so brutal and cruel. For those who do not know much about history, I feel this book would not spark any interest. It's hard to follow political plots when there's no background information and characters keep being added with no development. I wanted to know more in that field too.

I did like the book, but felt I was left hanging for all of the above reasons.

6/10

Vanessa

Todos os anos a mesma coisa

Ano sim, ano sim, desde que comecei a trabalhar, pergunto-me por que razão não se ensina aos miúdos das escolas as coisas necessárias a uma vida adulta saudável. Tipo o quê, perguntam vocês?

Preencher a declaração do IRS. Preencher essa declaração online em browsers que raramente utilizo. Perceber o palavreado financês, escrito à moda desse acordo ortográfico que gerou tanto desacordo, nesse site onde tem de se preencher a declaração do IRS online num dos browsers que raramente utilizo.

Claro que se me tivessem ensinado na escola eu era capaz de já não me lembrar ou a informação já estaria obsoleta, até porque internet, só a tive quando já tinha aprendido os básicos do ABC. Mas ficava a intenção.

Agora a sério, há muita coisa que devia ser ensinada na escola. Tipo senso comum, finanças, política, culinária e principalmente os direitos humanos. Ainda há coisas que decorei aprendi na escola que nunca tive oportunidade de utilizar, como por exemplo a tabela periódica, o teorema de Pitágoras, a história do carvão.

Todos os anos nesta altura ocorre-me que deve haver muito mais informação que não aprendi na escola do que informação que aprendi e utilizei. Toda essa informação que me parece de vez em quando inútil serviu para me enriquecer como pessoa e traçar vários contextos que ainda hoje moldam a minha visão do mundo. É informação com mérito, claro que sim. Mas não teria havido tempo para assuntos mais práticos?

Obrigado pelo tempo que me dispensaram enquanto eu escrevia isto em vez de estar à espera que o Java carregasse na página da entrega da declaração do IRS. Ainda não carregou, para dizer a verdade. Já lá vai uma meia hora, entre escrever aqui e reunir facturas e fazer um cafézinho. Deviam ter ensinado paciência na escola. Ouvi dizer que é uma virtude indispensável à vida adulta, especialmente quando se usa serviços públicos.

Vanessa

domingo, 17 de abril de 2016

Sobrevivência

aqui tinha dito que conduzir em Goa é horrível. A verdade é que conduzir no resto da Índia deve ser ainda pior. O pouco que daqui uso como exemplo do resto do país é sempre em menores proporções.

Mesmo assim não deixo de me admirar com a forma como se circula nas estradas, com o caos aparente e com os riscos que correm os goeses sempre que saem à rua. 

Com isto digo que é de admirar que a Índia tenha tamanha população.

É inacreditável.

Primeiro porque os indianos parecem não ter grande amor à vida. 

É ver famílias inteiras em cima de uma mota a ultrapassar autocarros em curvas ou manobras extremas que podiam fazer parte daqueles vídeos fantásticos que a Red Bull patrocina com atletas a fazer acrobacias em vales e mergulhos de cortar a respiração ou que podiam entrar no Guinness World Records. 

Todos os dias são uma aventura para os indianos.

Segundo porque já vi por estas estradas tantos golpes de sorte, daqueles que são capazes de tornar qualquer ateu crente em deus ou qualquer supersticioso descrente do azar, que é mesmo de admirar que haja aqui o crescimento populacional de que se houve falar e que não haja aqui mais vacas do que indianos.

As estradas indianas são uma verdadeira selva. Só que às vezes parecem pradarias. É ver vacas e bois, galináceos e porcos, cães e gatos a passar à frente dos carros como se houvesse aqui muitas passadeiras e essas passadeiras fossem feitas para animais passarem e os condutores aqui respeitassem as passadeiras.

Conclusão: na última semana andei a pé, inclusivamente na cidade, andei de carro, de mota, de jipe e de autocarro e sobrevivi. Sinto-me cheia de sorte, para dizer a verdade.

Vanessa

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Vasco da Gama, Goa


Já falei sobre o fantasma da influência portuguesa em Goa aqui e aqui. Continua a ser estranho para mim ver nomes portugueses e pequenos detalhes decorativos de influência portuguesa porque é muito raro ver mais do que isso. Não se ouve português na rua, não se vê dos portugueses tanto quando eu queria ou estava à espera de ver. Um dia fui a uma agência que anunciava orgulhosamente num cartaz que tratava de passaportes portugueses e perguntei se alguém falava português. A resposta foi negativa.

Visitámos Vasco da Gama, na península de Mormugão. Fica relativamente perto de Nagoá de Vernã e como é uma península as paisagens são magníficas. É engraçado perceber uma vez mais que a presença portuguesa é apenas um espectro na cidade cujo nome homenageia uma personalidade tão importante da história de Portugal, cidade essa que só a partir da década de 60 deixou de ser controlada por portugueses.

Tal como em Goa há pessoas com apelidos portugueses (como Rodrigues, Cabral, Guedes, Pereira) que não falam uma palavra de português, há também muitos locais com nomes portugueses que nada têm de português.

Toda a cidade de Vasco da Gama, só Vasco para os amigos, é símbolo disso.

Fotografias em breve.

Vanessa

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Mau maria

Anda mais alguém, em Nagoá de Vernã, a comprar os amendoins da Kurkure. Todos eles. 

Vamos lá ver. Quando cheguei havia carradas deles em todo o lado. Era ver os pacotes quase a ganhar teias de aranha de tanta desconsideração e ignorância que sofriam os pobres amendoins. 

Era ver os namkeens todos a esgotar e os amendoins a deixarem-se ficar nos seus pacotinhos laranja, empilhados nas prateleiras sem terem quem satisfazer com o seu condimento caloroso.

Agora, mal são repostos esgotam. Está bem que eu praticamente compro de dez em dez pacotes, mas isso não justifica que os ditos esgotem assim no espaço de dois ou três dias. Que coisa.

Afeiçoa-se uma pessoa aos namkeens que ninguém quer; porque sim, foi assim que começou esta relação de apego aos karare peanuts, eu vi-os lá abandonados e decidi experimentar sem sequer saber o que karare significava vejam-me só a fé que eu tive; para agora acabar assim com o gostinho de quero mais.

Será que alguém me viu a comprar os ditos e ficou intrigado e decidiu comprar também, começando assim um fenómeno de popularidade que acabou no esgotamento do stock?

Será que houve um ou mais casos de contaminação e todos os pacotes, menos aqueles que eu comprei, foram retirados do mercado e eu não soube de nada e agora estou doente?

O mistério adensa-se.

Entretanto contento-me com os três últimos pacotes que o senhor da esquina tinha lá.

Vanessa

Paladar pouco apurado


Surpreendeu-me desde logo o sabor do marisco de Goa e sinceramente ainda não me habituei. Creio que estou demasiado habituada ao marisco de viveiro e ao marisco congelado. O sabor a mar e o sabor a rio deixam as minhas papilas gustativas confusas. Ainda não aprendi a gostar do marisco goês. O que vale é que aqui tudo é altamente condimentado por fora e por dentro. A quantidade de produtos do mar recheados com temperos aperfeiçoados de geração em geração chega a ser tradição. O meu paladar isso agradece.

Vanessa

terça-feira, 12 de abril de 2016

Grandezas


Em Goa há praias, como a de Calangute, tão vastas que parecem um país por si só. 

Vanessa

O que é um dia mau em Goa?

Quando falta a água e a electricidade e estão 33 graus. Quando se sai de casa e se regressa e a água não voltou. Quando se regressa a suar e se apanha com o fumo do lixo que está a ser queimado. Quando estão estes graus todos e consequentemente a água do tanque está a escaldar. Quando, ainda por cima, a internet não se mantém cinco minutos seguidos. Mas tudo ficou bem quando a L. me deu um coco delicioso.

Eu sei que havia algum cepticismo por parte da minha família em relação à minha estadia tão prolongada e depois surpresa em relação à minha adaptação. Pelos vistos era eu a única a não ter dúvidas. 

Quando me perguntam se gosto de cá estar a resposta é invariavelmente sim e quando me perguntam se gostava de cá viver a minha resposta é variável, porque depende das circunstâncias. Hoje diria que não.

Na verdade isto é um ciclo vicioso. Eu não gostaria de cá viver porque quase não há gente jovem e por isso não há muitas das comodidades que poderiam atrair o público jovem. Mas porque não há jovens que fiquem, não há quem invista nessas comodidades e assim em diante. E olhem que eu contento-me com pouco.

Por outro lado eu gostaria de cá viver precisamente porque Goa é este retiro espiritual que vejo, onde há mais idosos do que gente jovem, onde a partir das nove da noite se ouvem grilos e onde há tempo para ler.

Parece-me que aqui é mais fácil pensar positivo. Em Portugal é difícil ser optimista quando se passa a vida encerrado dentro de quatro paredes com vizinhos dos lados, em cima e em baixo. Em Portugal parece que andamos enjaulados. Se falta a água e a electricidade sobra pouco para fazer.

Mas em Goa ainda há muito para ser feito. Um dia mau em Goa é um dia em que Portugal não nos sai do pensamento e em que comparamos e nos esquecemos do que há de bom onde estamos.

Vanessa

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Tlim tlim, pim pim, pum pum

Aqui na casa em Nagoá de Vernã não se ouve muito barulho. Ruídos, só os da natureza. É a típica vida bucólica. Não passam muitos carros por aqui e quando passam não buzinam tanto como na cidade. As vozes ouvem-se distantes. As pessoas ficam à sombra a conversar. Normalmente querem saber onde vamos ou de onde vimos. São as únicas expressões em konkani que reconheço sem esforço. Depois de noite o silêncio é apenas quebrado por cães a uivar, uns poucos grupos de jovens que passam, zaragatas entre gatos e coisas do género.

Mas, se há coisa que caracteriza bem a vila é o som dos vendedores. O senhor que vende pão na sua bicicleta começa a buzinar pouco depois das cinco da manhã. É uma buzina bem aguda que ele faz tocar três vezes. Pim pim pim. Ao longo do dia a mesma buzina assombra-nos com a promessa de pão fresco. Há os vendedores de peixe e marisco que gritam repetidamente o produto do dia. Blá blá blá. Há os amoladores, os pequenos arranjadores, os vendedores de tecido e arranjos de costura e outros que tais que também circulam por aí a apitar ou a gritar. Há aqui uma autêntica sinfonia de pequenos negócios que chegam às portas.



Fotos tiradas em Loutolim. Aqui em Nagoá de Vernã é raro sair para ver o que vendem estes comerciantes porta-a-porta. É que se lhes damos um bocadinho de confiança (às vezes basta só olhar na direcção deles) eles quase que nos querem vender a roupa que têm no corpo e ainda a avó.

Vanessa

sábado, 9 de abril de 2016

Aqui ali, isto e aquilo

Estas fotos representam lugares, pessoas, ocasiões. São símbolos de felicidade. Pedem bis.









Vanessa

Fila indiana

A expressão "fila indiana" que conhecemos está relacionada com os índios, que seguiam em fila pelos trilhos dos matagais, e não com os indianos. Se não acreditam venham cá ver como são as filas da Índia. Se Goa é exemplo, que é (já perguntei a pessoas que aqui vivem), não há cá filas nem ordem de chegada nem pessoas prioritárias. Aqui reina a anarquia, excepto quando alguém põe umas fitas a circundar o balcão para encaminhar as pessoas (mesmo essas não servem para nada, mas estão lá a fazer de conta que funcionam) ou quando há um funcionário a quem foram dadas as rédeas da ordem de atendimento ou um sistema de senhas.

Eu não entendo, mas quando não há sistema algum, eles lá entendem. Na caixa do supermercado, por exemplo, eles lá vão atendendo de forma coerente, olhando bem para quem está à espera e evitando os que cortam a fila multidão que ali está à espera de ser atendida, a não ser que os cortadores de filas levem coisas extremamente perecíveis com o calor, como leite, iogurtes e gelados. 

Até agora não senti que me tivessem passado à frente injustamente e até e já calhou eu ir ao supermercado comprar apenas um gelado e toda a gente me deixar passar à frente.

Infelizmente, aqui não há um grande sentido de espaço pessoal e é natural as pessoas ficarem tão próximas de nós que lhes sentimos a respiração na pele e até percebermos o que comeram ao almoço.

É especialmente perturbador quando são homens a fazê-lo, que eu sei que fazem, porque os homens daqui, aqueles que não têm aspecto de serem goeses, parecem sedentos de contacto com mulheres. 

Há até aqueles que parece que estão sempre no supermercado e que quando lá estão compram uma coisa de cada vez, tipo uma cebola, um tomate, um sabonete. São esses que olham descaradamente e que sempre que podem lá se vão aproximando de alguma mulher atraente e sozinha. São esses os únicos que não fazem questão de ser atendidos o mais rápido possível e que vão ficando para trás, aproveitando o contacto humano.

Disse-me uma amiga que normalmente são homens das aldeias que vêm para Goa, como tem acontecido frequentemente, e que trazem mentalidades de aldeia mesmo que venham para as cidades daqui.

As aldeias são as grandes culpadas de gerarem populações que não sabem respeitar filas ou o espaço dos outros. Diz quem cá está há muito tempo que isso está a mudar. O problema é que aqui tudo muda devagarinho.

Tão devagarinho como as filas dos serviços públicos demoram a andar.

Vanessa

Adenda

Referi na publicação anterior que tenho família Sena em Loutolim. Não é família Sena, é família Quadros, do lado da minha mãe. Não estou mesmo habituada a estas andanças de ter muita família, está visto.

Vanessa

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Loutolim, Goa

Há zonas de Goa que são feitas disto, a perder de vista:




Tenho família em Loutolim. A minha avó materna, que não conheci, tem uma irmã que vive aqui, com uma casa com vista para estas paisagens. As casas aqui são humildes, mas estar num dos alpendres destas moradias é uma riqueza por si só. Aqui está representada a típica paisagem de Goa.

Vanessa

terça-feira, 5 de abril de 2016

Podia ser noutro sítio qualquer


Mas o brilho que o mar deixa na areia quando se vai embora para mais uma leva e as bolhas que reflectem o sol deixadas pelos crustáceos ali escondidos e a areia que escorre sobre si com a força de cada enxurrada e as pegadas que se desfazem com o compasso do mar e o movimento das ondas, tudo isso também faz Goa e é Goa. Aqui o mar é poesia. Foto tirada na praia de Calangute, onde não deixei pegadas.

Vanessa

Book Review | Elizabeth and Mary: Cousins, Rivals, Queens by Jane Dunn

Two of the most fascinating women in history for me, whose lives have been condensed into a book? Count me in for that read. Jane Dunn's Elizabeth and Mary: Cousins, Rivals, Queens did not disappoint in the little details one wants to know about as well as in historic context to keep one aware of what surrounded such intriguing personalities as these two royal women, cousins and rivals.

It did take me while to finish reading the book though. I found it very dense sometimes, both in historic facts and in quotes from original sources. Of course, that's actually what makes a great biography, but I must have been in the mood for a lighter read or something. I started by being amused, but then all the ancient English bored me and cut the pacing for my reading dynamic.

I wish the book had gone into the gossipy details about why Elizabeth did not marry (for example, all the tales about her being a man in disguise), but I guess there were not enough historic facts that back that up. I was also interested in what turned out to be smaller than expected details such as the practices of prediction, especially astrology, in royal courts as well as suspicions of witchcraft.

I was pleased to read so much about Elizabeth's mother, Anne Boleyn, and also her father, King Henry VIII, both favorites of mine in history lessons at school. Thanks to this book I'm all the more interested in Queen Elizabeth I, as she continues to seem so virginal and at the same time so strong and intelligent in my imagination.

I will certainly try to read more of Jane Dunn's biographies in the future.

07/10

Vanessa

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Razões para continuarem a visitar este blogue


Vêm aí coisas boas. Muito boas.

Vanessa

Santa ignorância

Quem vive no país onde nasceu, que é o país onde quase toda a sua família nasceu também, nunca vai perceber bem o que é não conhecer a maioria dos seus familiares e também nunca vai perceber a sensação de perder a conta ao número de familiares que desconhece ou que não sabe ao certo de onde vem ou que não se lembra em concreto onde está. Quem está habituado a ocasiões de mesa cheia, em cima e em volta, não compreende o que é natais e aniversários e páscoas só com a família mais chegada, que são duas ou três pessoas, e comer nessas ocasiões pratos típicos do país onde está, mas também outros cujas receitas passaram de geração em geração, por quem as aprendeu num outro país onde abundam os ingredientes usados nos pratos.

Quem vive no país onde nasceu, que é o país onde quase toda a sua família nasceu também, não sabe o que é não ter família no interior ou não conhecer ou não se lembrar do que é ir à terra

Há muitas outras coisas que quem não é migrante não compreende por nunca ter sentido na pele, mas que acabam por moldar e influenciar um ser humano que tenha vivido num lugar onde não nasceu e no qual tenha uma aparência ou costumes ou aspectos culturais fora da norma nessa sociedade.

Aqui sou parecida com os locais. Mas se vejo turistas brancos na rua, identifico-me mais com eles. Olho para eles e revejo-me. Olho para eles e vejo-me como igual a eles. Certamente que eles olham para mim e vêem mais uma local com uma cultura diferente, mas eu olho para eles e às vezes até sorrio e tenho de me esforçar por lembrar que eles estão a ver mais uma indiana e não vão perceber que temos mais em comum do que tenho eu em comum com todos os outros indianos. No fundo, eu também sou uma turista.

O problema é que até agora eu vivi em santa ignorância. Nunca me cheguei muito a tradições nem percebi muito bem o espírito familiar que vejo amigos a nutrir. 

Mas agora conheço o que esses amigos conheceram toda a vida e hoje, aos 29 anos, feitos nesta terra que até é um pouco minha, apercebo-me da minha própria ignorância, até agora santa por nunca ter sido desvendada.

Conheci com 29 anos uma irmã do meu pai e as filhas dessa tia e os filhos das filhas dessa tia, mais a irmã da mãe da minha mãe, avó que nunca conheci, e a filha dessa minha tia-avó e ainda as filhas dessa filha.

Há ainda primas e primos e mais tios e mais pessoas do meu sangue que estão noutros países e que se calhar nunca vou conhecer. Há depois aqueles que estão em Portugal que querem vir para Goa. Até os meus pais.

E eu, que até agora vivi em santa ignorância, longe destas andanças, não sei o que fazer ao conhecimento recém adquirido de que sou mais ou menos turista aqui, mas sou também mais ou menos turista em Portugal, assim como sou mais ou menos turista em Moçambique, onde está a outra parte das minhas origens.

Da mesma forma que sou mais ou menos turista sou também pessoa mais ou menos, porque um bocado de mim está aqui, outro bocado está acolá e outro bocado acoli. Nisto virei puzzle, com peças por todo o lado.

Há agora uma parte de mim que gostava de voltar para a santa ignorância. Mas grande parte de mim já se habitou à ideia, ainda que não saiba ao certo o que fazer com ela.

Vanessa

sábado, 2 de abril de 2016

Saudades disto

Colorir. Ver séries descontraídas e colorir. Ver documentários e colorir. Ouvir meditações guiadas, seguir as instruções e colorir. Ouvir narrações de livros e colorir. Ouvi o 1984 e colori tantos desenhos. Ouvi este outro livro e colori outros tantos. Cada capítulo, um espaço pintado. Medir por cores. Medir pelo lilás, pelo rosa, pelo azul. Medir pelos gestos, entre a distância da esquerda para a direita ou de cima para baixo.



Ainda por cima já ia aqui. Um desafio de paciência e destreza. Devia ter trazido para aqui.

Vanessa

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Não é mentira


As praias mais bonitas são as desertas, seja aqui, seja em Portugal. Feliz primeiro de Abril.

Vanessa

E os mendigos?

Por incrível que pareça, não vi muitos. Quero dizer, não vi tantos quanto pensava que ia ver. Quanto aos que vi, foi aquilo que já esperava. Já tinha lido vários artigos sobre aluguer de crianças, por exemplo, para ajudar à generosidade dos samaritanos. Parece que é um negócio obscuro, mas que continua. 

Uma vez, em Margão, uma rapariga com três miúdos pequenos e muito sujos veio pedir junto de nós. Os mendigos fazem normalmente um gesto que leva a mão, com os dedos unidos, à boca para indicar que precisam de dinheiro para comer. Ela fez o gesto, mas não nos convenceu. 

Quero dizer, convenceu-me um bocadinho, claro, por causa das crianças, mas acabei por não dar nada.

Uma das crianças ficou ao meu lado enquanto a senhora ficou parada à nossa frente a ver se mudávamos de ideias. Nisto a criança transforma-se momentaneamente em estátua, como fazem as crianças quando são surpreendidas por uma necessidade biológica, e começa a fazer xixi ali mesmo.

O líquido amarelo escorreu pelas pernas descobertas e criou uma poça mesmo ao meu lado.

Depois foram embora e eu fiquei a vê-los afastarem-se.

Não sei se haverá aqui uma moral ou uma metáfora. 

Deverei eu passar a dar qualquer coisa aos mendigos? Será que faço mal em não dar? Será que se não der, mais necessidades biológicas virão parar ao meu caminho e criar uma poça mesmo ao meu lado?

Há outros tipos de mendigos, desde os cegos que fazem das suas latinhas de peditório tambores para as suas vozes melodiosas aos homens sem pernas que se arrastam pelo chão aos velhos de aspecto louco e longas barbas aos de aspecto normal a quem apenas parece faltar um banho de esfregão.

Nunca sei se devo dar alguma coisa. Não sei se dar alguma coisa é ajudar. Não sei se há alguma hierarquia no negócio destes peditórios e o dinheiro vai parar a algum chulo ou se a falta de dinheiro torna violento o hipotético chulo e acaba em tragédia a vida dos pedintes. São as mesmas dúvidas que tenho em Portugal.

Sou desconfiada em relação à caridade.

Mas já vi mendigos aqui, sim. Obrigado aos que perguntaram e têm perguntado. Deixam-me sempre aqui inquieta, com estas questões, e fazem-me remexer o cérebro em busca de consolo.

Vanessa