segunda-feira, 30 de maio de 2016

Recomeço

A viagem foi pacífica apesar das escalas. Goa-Mumbai, Mumbai-França, França-Portugal. Andei para trás no tempo, mas ainda me sinto quatro horas e meio à frente. Comecei a manhã a sobrevoar Goa com uma masala dosa e café e bolo de chocolate, almocei em Mumbai uma salada behl puri, caril de frango e dahl, com dois copos de vodka com sumo de laranja, mas lanchei um salgado de frango e um gelado já na Europa e jantei sandes de peru algures entre França e Portugal. Na viagem recuperei algumas horas de sono, vi o céu de perto, li uns capítulos de Life of Pi, vi o último Star Wars que não vi no cinema e quase terminei de ver o The Intern.

Fui calorosamente recebida no aeroporto de Lisboa com direito a cartazes e tudo pelas pessoas que mais me fizeram falta nos últimos meses. Fiquei a par de novidades ainda atordoada e dolorida. Senti-me a pessoa mais sortuda do mundo, mas com as pernas a flutuar como acontece quando se passa muitas horas sem ser com os pés no chão e a cabeça nas nuvens como me acontece frequentemente quando durmo pouco.

Cheguei há cinco dias, mas parece que foi ontem. Tenho seis meses de coisas em atraso, mas o que me apetece mesmo é tudo menos obrigações. Nisto de estar quatro horas e meio à frente, parece mais que estou parada no tempo. Na verdade gosto disso. Podia ficar assim mais uns seis meses. Mas a realidade chama por mim.

Vanessa

Book Review | The Kite Runner by Khaled Hosseini

Emotionally overwhelming. The Kite Runner is one of the best books I have ever read, but it's not a read for every occasion. It is devastating. It tells a tale of a boy who experiences a tough journey from being a kite runner kid to being an adult who escapes Afghanistan but has to feel the consequences of war.

The tale travels from a happy childhood that ends prematurely to a mature life from the eyes of someone who saw more than his eyes and heart could bear. It digs into history and culture, as if they were mere curiosities, and it reveals a magical country that cannot escape political and religious turmoil.

It's one of those books one cannot stop reading just to get to a possible happy conclusion. I will not spoil any of the story, but I have to say it was a very bumpy ride and one that made me cringe.

Hosseini created an alternate universe right in the middle of a real one, where sadness corrupts lives. It opened a door for things I did not know about or ones that I only knew from distanced news that cover only a portion of the real events. At the same time, the story was so dense and full of details that it seemed inspired in someone's life. Sadly, one knows there must have been stories much worse than that of the main character.

This is one of those books I will recommend "a thousand times over" to everyone who enjoys reading,

10/10

Vanessa

terça-feira, 24 de maio de 2016

Check-in

A Volta Ao Mundo diz que Goa é um dos 10 destinos mais baratos para viajar com gastos por dia na ordem dos 16 euros e meio. Acho que consigo mais barato, mas a hipótese terá de ser testada no futuro, porque daqui a umas horas vou fazer o check-out. Agora é altura de me rir na cara de quem não acreditava que eu conseguia cá ficar por quase seis meses. Antes disso, o lamechismo do reencontro e a alegria da chegada.

Hoje comi o último thali dos próximos tempos, no Café Tato, e o último gelado da Amul, doce e colorido. Ontem foi o último shev puri (que aprendi pronunciar-se xou purí). Só não foi a última viagem de autocarro, porque em Mumbai normalmente há ainda uma viagem pela cidade, para ir do aeroporto à pista de descolagem.

Agora, mais do que pensar em despedidas e partidas, prefiro pensar em regressos. Estou quase a regressar a Portugal e um dia, não sei quando, vou com certeza regressar a Goa.

Vanessa

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Carambolas goesas

As carambolas sempre foram um doce festivo para nós em Portugal. Calculo que fosse o doce mais fácil e conveniente de se fazer, pois não leva ingredientes exóticos. É farinha, ovos, açúcar e pouco mais. Normalmente as carambolas enchiam as latas azuis de bolachas de manteiga antes do natal e duravam até ao dia de reis, coisa assim. Lembro-me do seu formato peculiar que aprendi em pequena e que relembrei aqui em Goa e do cheiro a calda de açúcar e a fritos que impregnava a casa. Não vos posso dar a provar, por isso fiquem com as fotos.








Vanessa

terça-feira, 17 de maio de 2016

Saldo positivo

Da minha estadia de 23 semanas e meia em Goa, ou umas 3 860 horas se pensarmos que cada semana tem 168, cerca de 207 horas foram passadas a trabalhar, o que dá para aí uma semana e meia de trabalho se eu fosse uma máquina e não fizesse mais nada ou umas cinco semanas se eu respeitasse as 40 horas de trabalho por semana em vigor em Portugal (ainda assim é, certo?). Não contabilizo, é claro, o tempo passado à procura do trabalho ideal, do cliente ideal e dos temas mais interessantes nem aquele que passei a pensar no trabalho ou a planeá-lo. Também não contabilizo o tempo passado a olhar para o router para ver se o sinal de internet se despachava a mostrar o ícone verde em vez de vermelho ou o que passei a alongar o corpo depois de horas em má posição ou as mil e uma interrupções a que uma pessoa está sujeita quando não tem um escritório.

Não sou pessoa de números, mas às vezes tem de ser. 

Os números não dão margem para subjectividade. 

Ainda que o balanço em termos de trabalho tenha sido positivo pelo contexto da experiência, sou da opinião de que este não é um bom sítio para trabalhar. Falo concretamente de Nagoá de Vernã, onde falta a luz todos os dias (pelo menos tem sido assim no último mês), a água umas quantas vezes por mês e a internet vem aos soluços (quando vem) e é tão instável quanto a vida política em Portugal.

O futuro está no teletrabalho. Acredito mesmo que sim. São já poucas as profissões que não estão automatizadas e informatizadas. Picar o ponto já é quase uma coisa do passado. Mas aqui, aqui ainda se trata de assuntos com papéis e facturas escritas à mão (às vezes em hindi) em pedaços de papel. 

No banco, as transacções são apontadas num caderno enorme. As receitas médicas são escritas em blocos de papel oferecidos por empresas farmacêuticas com um desenho que representa três refeições feito pelo médico, com uma qualquer sinalização para que saibamos em que refeição devemos tomar os medicamentos.

Mas as caixas vêm sem bula. Aí, que faz falta o papel para sabermos efeitos adversos, indicações, ingredientes, o papel não vem. Às vezes nem a uma caixa temos direito. Recebemos as carteiras de comprimidos e já vamos com sorte. Sorte mesmo é quando o farmacêutico sabe o que nos está a dar e oferece umas dicas.

As farmácias, um dos poucos serviços onde a informação está informatizada, ficam paradas quando falha a internet. Aqueles quatro ou cinco dias a semana passada em que faltou a internet devem ter sido um caos na farmácia de Pirni. É por isso que em todo o lado os comerciantes têm os fiéis cadernos.

Papel e caneta. Eu bem que sonhava, quando era mais nova, em viver de papel e caneta. Escrever. Mal sabia eu que o mundo ia evoluir de tal forma que agora me basta premir teclas para formar palavras e o calo do meu dedo do meio, no lugar onde a caneta se apoiou durante tantas horas, já quase desapareceu. Se eu agora quisesse mesmo cumprir o sonho de viver de papel e caneta vinha viver para Goa. Mas depois tinha de enviar o meu trabalho por carta. Isso implica confiar nos serviços postais indianos. Hum, não.

Vanessa

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Caldo de cana

É habitual ver vendedores de caldo de cana aí pelas esquinas. Têm normalmente um carrinho com uma máquina barulhenta que espreme a cana-de-açúcar para um balde. Depois vertem para um copo, que vale umas 20 rupias. Dizia um amigo no Facebook que caldo de cana é o Redbull indiano. Só que a mim não me deu asas. Pai, que me estás sempre a perguntar se já provei, aquilo é doce para caramba e foi bom experimentar. Agora, se nunca mais beber sumo de cana-de-açúcar para o resto da vida também não fico triste.

Vanessa

domingo, 15 de maio de 2016

Mormugão, Vasco da Gama

Mormugão é mar, é água por todo o lado. É cheiro a sal com a brisa, mesmo no meio do trânsito. É frescura de maresia debaixo do sol. É sons de buzinas náuticas à distância. É rebuliço constante. É lojas e bazares coloridos de movimento e aromas bons misturados com maus e encontrões e olhares. É coisas tão feias e logo ao lado coisas tão bonitas. É coisas tão sujas e logo ao lado coisas tão limpas. É muita coisa à venda por todo o lado. É comida boa a cada esquina. É Vasco da Gama no seu melhor. Mais não digo. Só mostro.

















Vanessa

sábado, 14 de maio de 2016

Escolhas de vida

Comer gelados dá-me frio. Mas os gelados daqui (Amul, para quando uma loja em Portugal?) são assim para o bastante deliciosos. Não vos saberia explicar como. São cremosos. Alguns têm pedaços de chocolate, gelatina, gomas, frutos secos (e alguns têm todos os anteriores e chamam-se kulfi). Os gelados dão-me frio mesmo com este calor. Ainda assim, mais depressa usava um casaco em Goa do que parava de comer gelados.

Vanessa

Book Review | Life Before Man by Margaret Atwood

I felt compelled to read this book for its title, but then got distracted by the plot. It was so like, "Wait, what?" that I could not really understand some of the inner dialog parts smeared across some of the chapters, some of the thoughts the characters had and the purpose of some of the scenes. 

It was all like a painting that looks beautiful, with grabbing details, but that one cannot really understand.

The premise seemed interesting. A love triangle or quadrangle involving a married a couple and a woman with a weird name (Lesje, pronounced Lashia) with a weird love for dinosaurs. 

Then it all got intense, but scattered. The characters felt shallow. Their intentions seemed to have no purpose. 

At times they seemed to lack the metaphorical backbone old classics with promiscuous, adventurous people have. Not that I read many of those, but I like to know the intentions, the reasons behind choices when I feel I'm getting to know characters that will be keeping me company for some time.

I wanted to like this book but really couldn't. It was bleak, depressing, some of it felt apathetic. 

After that last book I read, it seemed to me I was either making horrible choices or that I lacked the intelligence to understand these books I was choosing. Maybe a bit of both?

I don't have to like every book I choose, I know that. This one was slightly better, as it had some interesting remarks about dinosaurs and end of the world scenarios that kept me going. 

But then that ending definitely ruined the plot for me.

6/10

Vanessa

Custo de vida em Goa

A opinião generalizada da minha família é a de que o custo de vida em Goa tem vindo a subir muito ao longo dos anos. Há coisas que de ano para ano se tornam descaradamente mais caras e há casos, como os da fruta de quem tem quintais, em que cada um faz o preço que quer. Quando amigos me perguntam quanto é o ordenado mínimo, não sei responder. Encontrei esta tabela que esclarece um pouco a dúvida.

O ordenado mínimo será mais ou menos 300 rupias (uns 4 euros) por dia.

Sei que se paga mais e até menos nalguns casos. Não sei se existe autoridade alguma que controle estas coisas, porque isso insere-se na categoria de muitas das coisas que não faço ideia de como funcionam aqui.

Sei também que é costume dizer-se que não há pobres em Goa. Acho que é uma forma de expressão, porque os goeses parecem todos ter casas grandes e coloridas, aprovisionadas com dinheiro feito no estrangeiro.

Diz-se também que é esse dinheiro trazido de fora que aumenta a inflação e que depois quem se lixa é o mexilhão, que é como quem diz, o indiano que vem de outros estados para trabalhar nesta área e que precisa de tecto, alimento e outras amenidades a preços moderados e não a preços de turismo.

As 300 rupias por dia não dão para muito, não. Os últimos cinco livros em segunda mão que comprei custaram 50 rupias cada um, mas já vi livros novos custarem 300 ou 400 rupias cada. É muito fácil gastar 1000 rupias no supermercado. Um smartphone custa umas 8000 ou até 10 mil se for de marca famosa.

A vida aqui é mais fácil quando se está emigrado e se vem cá de férias.

Vanessa

Book Review | Who Do You Think You Are? by Alice Munro

Ten short stories connected by one character and universal questions such as, you guessed it, Who Do You Think You Are? is what composes Alice Munro's novel, where small details and witty remarks and minimalistic but powerful dialogs make up one single story. It follows Rose and her upbringing, then Rose and her adulthood, and throughout Rose and her thoughts. However, I finished the book feeling I don't know Rose at all.

The prose was compelling enough. It was poetic and romantic. It had many details that make one nod in agreement or silently sigh in relief for seeing on paper some quirk or peculiar habit that until then was only his. You know, how nail polish smells like banana and chemicals (chemical banana!).

Something was missing, though. I felt this was one of those books I could not really fully comprehend and thus I could not really like it. It felt like a collection of chronicles, some of them way more personal than others, with no apparent goal other than describe someone the author admires.

The novel was entertaining and I hadn't read any of Alice Munro's stories before. If this one was the best one to start, I do not know. Maybe I didn't feel connected enough with Rose. A few particular scenes showed how obviously different we are from each other. That doesn't usually make me not like a character, but this was in a sense an unusual read. It flew by, but it did not stick. I'm not surprised if I do not remember the details of this novel in a week from now. It was entertaining while it lasted.

6/10

Vanessa

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Vivências

Continua calor. A linha telefónica, que já estava queimadinha, ardeu de vez num incêndio que ocorreu aí para sábado, o que passou. Ninguém me tira da ideia que foi dos foguetes que atiram depois das novenas em honra de santos aos quais já perdi a conta. Esse interregno sem aviso terminou. Eu é que já não tenho muito tempo. Há cinco meses estava a chegar a Goa. Daqui a menos de quinze dias vou dar de frosques.

Vanessa

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Speechless with Carly Fleischmann

A young woman called Carly Fleischmann left me without words today. She had her wish of being a talk show host come true and her first guest was Channing Tatum. It would be hard getting such a scoop in today's competitive world. Imagine accomplishing that while being a nonverbal autistic woman. That's why I decided to share this interview. It definitely brightened my day and not just because Channing Tatum was there.


Vanessa

Ao cuidado de todas as empresas portuguesas a que me candidatei e as quais nunca se dignaram a enviar uma resposta

Candidatei-me a uma vaga na casa real britânica. Não sei se consigo definir o posto, mas é qualquer coisa como gestor de redes sociais ou, numa tradução mais literal, director de interacção digital. 

Foi um daqueles anúncios aos quais concorri não por ter esperança de ser chamada, mas porque se não concorresse ia ficar sempre com aquilo a ocupar espaço mental. Foi pelo chamado descargo de consciência, essa entidade responsável por tantas acções pelo mundo inteiro. Conhecem?

Tinha recebido um email de confirmação. Só por si já é um acontecimento raro. A maior parte das empresas portuguesas às quais concorri e que acusaram a recepção da minha candidatura tinham como objectivo prestar informações adicionais e/ou indicar que o meu avanço ao longo das fases da candidatura, fases essas que são sempre de mil para cima, seria esclarecido num email posterior, email esse que raramente nos meus 29 anos de vida chegou à minha caixa de correio electrónico, pelo menos não sem incentivo da minha parte.

Não só recebi o email de confirmação como recebi há pouco, menos de um mês após a candidatura, um email a informar que os responsáveis pela vaga já escolheram alguns candidatos e que eu, por exclusão de partes, por haver pessoas que correspondem mais ao que procuram do que eu, fico por aqui. 

Ainda tiveram a amabilidade de agradecer o meu interesse e de desejar sucesso futuro.

Se foi um email gerado automaticamente e distribuído por milhares de outros candidatos? Foi. É por essa razão uma coisa má enviar um email a candidatos possivelmente esperançosos e deixá-los libertar espaço mental para outros oportunidades? Não, não é. É uma cortesia. É um gesto de humanidade.

É, acima de tudo, uma lição para todas as empresas portuguesas que tratam os candidatos como seres inferiores que não merecem resposta alguma. Que estão sempre muito ocupadas para responder a emails. Que pensam que já estão a fazer mais do que a sua obrigação ao criar um anúncio de emprego.

Não me venham cá dizer que a casa real britânica tem mais posses e tempo e que os ingleses estão habituados a estas coisas tipo serem amáveis e cumprirem etiquetas. Sei muito bem que nas empresas há muito tempo desperdiçado e sei também que um email não custa muito a escrever (e pode ser guardado para futura referência ou cópia) e que enviá-lo não requer selos ou idas aos correios. 

Se automatizarem essa cena é muito mais rápido do que ir buscar um café ou abrir o Facebook.

Vanessa

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Maio

O calor e a humidade agarram-se ao corpo com fervor. O torpor dura um dia inteiro e só arrefece à noite. Às vezes o sono é interrompido, uma vez, várias vezes, porque o corpo acorda para o abraço apertado de uma neblina tépida do qual não se consegue libertar. A pele escorre constante e copiosamente.

O chão custa. As pálpebras pesam. Os braços e as pernas cansam. Maio é um verbo passivo. Se não estivesse calor. Se estivesse mais fresco. Se não fosse Maio. As possibilidades vão adormecendo.

O tempo pára, enrolado na quentura. Os dias arrastam-se pesadamente. Ainda assim, o tempo voa.

Vanessa

terça-feira, 3 de maio de 2016

Book Review | Animal Farm by George Orwell

When I first read Animal Farm I could not understand all the metaphors, so I headed on to Google and found websites where all the subtleties were drawn in a simple enough way for me to understand them. Fast forward more than ten years and, while reading an article on something I can't even remember, I spotted a reference to Animal Farm and I decided I should read it again with my current level of maturity *cough cough*.

Orwell's book is quite more fun than my memory of it. However, it is also very sad and tragic when one realizes how much we, humans, lived and still live just like the animals of the farm. Although the book is simple in its narrative, I also found it brilliant. It's very clever in its details, but it also throws certain prompts to the imagination with an irony that surprised me. It made me feel helpless and hopeless sometimes.

The plot starts in a farm owned by a drunkard of a human. The animals decide to rebel and take over the farm so that they can be free and only work for themselves, not for a human, as humans are "the only creature that consumes without producing." What happens next, as I understood it, just shows, in the story itself and through the metaphors, that humans are really the most dumb of creatures.

All history lovers should read this book for sure. I had a great time with it, understanding the hidden complexity of it and also all the references that escaped me when I read this book as a teenager.

10/10

Vanessa

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Nem que me pagassem

Note-se que toda esta publicação é uma fraca tentativa de humor. Nada é para ser levado a sério.

Ofereceram-me a oportunidade e eu não aceitei. Não, obrigado, disse eu. Acrescentei ainda que gosto de ter os pés bem assentes na terra. Subir para o barco com a minha câmara, com o mar revolto, já foi uma grande demonstração de coragem da minha parte. Arriscar (ainda mais) a minha vida por 1000 rupias para andar pelos ares debaixo desse saco paraquedas (ou parapente?) remendado? Nem pensar.

Bom, já me viram andar naqueles carrosséis duvidosos da Feira Popular ou daquelas festas de aldeia onde o cinto mais parece uma fivela de velcro e o nosso centro de gravidade fica mais baralhado do que um cidadão português (eu) que tenha de escolher uma senha para ser atendido em serviços públicos e os sapatos quase saltam e atingem algum transeunte, qual momento estilo Final Destination. Mas não é a mesma coisa.

Primeiro porque estou na Índia. Padrões de qualidade europeus aqui são luxo, só para terem uma ideia de como as coisas aqui funcionam. Segundo porque detesto mar alto e duvido que as aulas de natação me safassem em circunstâncias reais. Não há crawl que aguente as correntes daqui. Terceiro porque não gostaria de pagar (apenas) 1000 rupias para depois me afogar. Convenhamos. A minha morte certamente vale mais do que isso.

Se acham que estou a exagerar, imaginem o seguinte cenário e digam lá se não tenho razão.

O barquinho mal aguenta a força das ondas. Por várias ocasiões pensei que fosse virar. Juro que a minha principal preocupação era a minha câmara. Seis meses num call center para a conseguir comprar. Isso diz tudo. Bastava ali um ventinho mais forte ou uma corrente para o sacrifício ir por água abaixo.

Os homens eram esqueléticos. Prova disso é que mal aguentavam com o dito saco paraquedas quieto.

A única coisa a assegurar que o paraquedas não fugia era uma corda. Daquelas bem finas, já com algumas pontas soltas. Não sou mestre em física, mas gosto de ver robustez. Robustez é sinónimo de segurança.

Não gostaria de ser protagonista de uma piada seca. O que é um pontinho colorido e molhado no céu em alto mar num ângulo muito estranho? Uma Vanessa muito, muito medrosa. Não.

Depois havia esta possibilidade. Testar a água. Isso faço na praia mesmo, obrigado. Estou bem aqui, já disse.

 Hum. Não. É giro de se ver. Eu disse ver. Experimentar não. Fica bem é na fotografia.

Vi no Science of Stupid no National Geographic qualquer coisa sobre conseguir deslizar na água com os pés. É preciso um ângulo específico e não sei quê. Dá muito trabalho. Se parece divertido? Lá isso parece. Dispenso tal diversão, para dizer a verdade. A minha noção de diversão na praia é estar à sombra a ler.

Vanessa