quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Onde comprar levedura nutricional em Portugal

A primeira vez que perguntei por levedura nutricional (nutritional yeast em inglês) numa das lojas do Celeiro, a funcionária perguntou-me se me estava a referir a levedura de cerveja. A levedura nutricional é uma estirpe de levedura da mesma família dos cogumelos. É obtida artificialmente da mistura entre melaço de beterraba e açúcar de cana, e reforçada com vitaminas do complexo B. Quem se interessa por nutrição e vegetarianismo sabe que supostamente tem um sabor semelhante ao queijo, mas é vegana e isenta de glúten.

Depois de ver umas quantas receitas em que a levedura nutricional substituía o queijo, fiquei curiosa e quis experimentar. Mas no Celeiro não havia, aqui há um ano, e comprar online saía caro. Felizmente, a situação mudou. Esta semana fui ao Celeiro e encontrei estes flocos de levedura nutricional a 4,99€. Infelizmente não contém vitamina B12, mas contém muitas outras. Pode ser que consigamos ter mais variedade de produtos deste género ou que esta marca reforce os ingredientes se tiver sucesso no mercado português.

Após ter experimentado esta levedura nutricional posso dizer que não me sabe propriamente a queijo excepto quando adicionado a pratos que o requerem. Tem um travo parecido e há muitas receitas online para confeccionar queijo vegano com mais ingredientes que provavelmente fazem sobressair o sabor a queijo com a levedura nutricional . A mim sabe-me a caldo artificial e nozes mas sem sal.  A textura com os flocos deixa um pouco a desejar porque forma uma pasta no fundo do prato com o calor dos outros alimentos. Gosto especialmente com pasta de sésamo, talvez porque fique com uma consistência parecida à do queijo derretido.

Vanessa

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Meio cheio

Pessimista por natureza, tento sempre aquilo de ver o copo meio cheio em vez de meio vazio. Nunca me ocorreu pensar antes no meu cesto de roupa para lavar em vez de um copo. É que o dito está permanentemente meio cheio tal como o meu copo de optimismo devia estar. Claro que para continuar na veia do optimismo tenho de pensar que ter o cesto meio cheio é sinal de abundância não só de roupa, mas de experiências que me permitem sujá-la. Talvez tudo isto seja mais fácil de encarar com um copo meio cheio... de qualquer coisa destilada.

Vanessa

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Proporções invariáveis

Não confio nos produtos com quantidades em proporções variáveis porque invariavelmente isso significa que a embalagem vai conter em maior quantidade o elemento mais barato. Uma mistura de frutos secos com amêndoas, caju, nozes, castanha do Brasil e passas vai com certeza ter mais passas do que qualquer dos outros frutos. Um pacote com uma mistura de aperitivos vai ter em maior quantidade o mais sensaborão. Um pacote com vários biscoitos vai ter em menos quantidade aquele que tiver chocolate e em maior quantidade aquele que é só praticamente farinha e açúcar. Uma embalagem de aperitivos salgados vai ter em menos quantidade aquele que souber mais a queijo e em maior quantidade o que sabe a fécula de batata.

Se eu tivesse um blogue quando era catraia, podia ter escrito este post, mas dando como exemplo gomas. Os ursinhos vermelhos, os mais apetecíveis de um pacote, era sempre os mais raros.

O preço é o que dá logo a dica quanto à variabilidade das proporções. Quanto mais caro, mais justa é a proporcionalidade dos elementos. Por exemplo, quanto mais caro o kebab, mais carne tem.

Não comecei este post porque queria falar na possibilidade dos kebabs serem proibidos na União Europeia. Na verdade, tinha começado o post muito antes, num dia em que comprei uma mistura de frutos secos e fiquei triste com a quantidade de umas coisas em relação a outras. Mas entretanto surge a notícia dos kebabs e eu dou por mim a pensar naqueles restaurantes de subúrbio onde todos os kebabs sabem ao mesmo.

Nesse caso, a qualidade, ou por outras palavras, a quantidade de carne numa shoarma também se denota pelo preço. Quanto mais souber a carne, mais cara é. Por exemplo, sou fã da Joshua Shoarma, mas aí uma pessoa é presenteada com pedaços de carne que sabem a carne e tempero exótico. Num desses restaurantes de esquina, uma pessoa pede uma pita e recebe lascas de produto que parece fiambre, mas mais escuro.

Convenhamos. Há certos produtos que funcionam um pouco como a roleta russa. Ou como a caixa de chocolates que a mãe do Forrest Gump consumia. Uma pessoa nunca sabe o que lhe vai calhar.

Mas eu preferia continuar a ter hipóteses de escolha, só que a continuar assim, depois dos kebabs a União Europeia deve querer debruçar-se sobre os mil e um outros produtos que estão à venda e que podem conter substâncias nocivas e lá se vão mais de metade das escolhas que ainda podemos fazer. Certo?

Vanessa

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

50 sombras de inveja

Acabo de ler uma página do livro Fifty Shades Darker, cortesia de umas pessoas que não hesitaram em divulgar online uma tórrida cena em que o casal da saga erótica As Cinquenta Sombras pára de cozinhar para atender a certas necessidades físicas prementes e o protagonista desliga o fogão e diz à moça protagonista para colocar o frango no frigorífico. Por entre as piadas sobre a bizarra preocupação com a higiene e segurança alimentar ou sobre a ausência de uma linha de diálogo que indicasse que os protagonistas lavaram também as mãos antes de partir para acções que não as culinárias, apercebi-me de que invejo a autora dos livros, E. L. James.

Não só as suas estórias foram inspiradas noutra famosa saga, como a fama das suas estórias chega a ultrapassar a do trabalho que as inspirou, e além disso poder-se-ia dizer ainda que se tornaram famosas as suas fantasias íntimas, e fantasias deve ser coisa que com certeza dará menos trabalho a escrever do que uma tese. Nunca li nenhum dos livros nem vi os filmes, mas até já fiz pouco da senhora pelo que sei do enredo. Ainda assim, tenho-lhe inveja, primeiro pelo seu ofício e segundo pelo seu sucesso. Diga-se o que se dizer, E. L. James é bem-sucedida porque há muitas pessoas que lêem os seus livros e isso é invejável para quem, como eu, nunca se pôs a concretizar o seu ideal profissional com afinco por falta de tempo, insegurança, etc.

Claro que, convenhamos, a inveja diz apenas respeito a isso, ao sucesso num ofício como o da escrita. Pela minha parte, vou continuar a considerar os livros como exemplos de misoginia, um reflexo triste da sociedade actual, e a acreditar em quem diz que a escrita de E. L. James é equivalente à de uma criança de 10 anos. São coisas que me fazem sentir mais aliviada por momentos. Um pouco como atender à higiene e segurança alimentar dos alimentos para depois fritá-los e enchê-los de sal. Alívio momentâneo, sensações muito piores a seguir.

Vanessa

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

O preço do pão pode aumentar 20%

Senti hoje que acordei na twilight zone. Primeiro porque não só surgiram inúmeras notícias sobre o aumento do pão, como a maior parte dos jornais cita que foi o Correio da Manhã que avançou a notícia, e como os profissionais da panificação alegadamente dão como razão um aumento dos custos na indústria, custos esses que não chegam aos 5% (assim por alto, juntando argumentos como o aumento do salário mínimo, dos combustíveis, do gás e da electricidade), mas que vai justificar um aumento de supostamente 20% com uma carcaça a poder custar em Lisboa 24 cêntimos. Eu chamo a isto o milagre da multiplicação do preço do pão.

Maria Antonieta, rainha francesa que certo dia em 1789, face às más colheitas que tiveram como consequência o aumento do preço do pão, recomendou ao povo: "se não têm pão, que comam brioches" estaria orgulhosa de Portugal. Afinal de contas, o pão já hoje em dia chega a ser mais caro que certos bolos, especialmente se for daquele com farinhas integrais e com as sementes da moda, por isso mais vale de facto comer bolos.

Quem se vai ver aflita com isto do aumento do preço do pão é a indústria da manteiga. Sem pão na mesa, barrar uma fatia de pão com manteiga vai ser exclusivo da classe alta. Ou das telenovelas, onde há sempre aquelas mesas fartas onde as personagens conseguem encaixar diálogos durante o acto de barrar manteiga e as pessoas têm tempo para tomar o pequeno-almoço em família, e usam dois pratos e três copos porque há café e sumo e água e um monte de talheres, e depois não têm de passar uma hora a lavar a loiça.

Ironicamente, a política do pão e circo do Império Romano usada para alienar as massas dos problemas políticos é hoje precisamente o que consciencializa o povo acerca de toda a conjuntura. A opinião pública está mais informada e com certeza ciente das repercussões de um aumento na escala dos 20% de um elemento tão importante na mesa portuguesa. A par do pão, também os ovos vão encarecer, e sabe-se lá mais o quê.

Mas se por um acaso também a farinha aumentar de preço num futuro próximo, solicito que a indústria panificadora siga o exemplo da Finlândia e passe a usar farinha de grilo na confecção do pão. Não só fica mais barato, como tem proteína, o que pode colmatar a falta dos ovos e de todos os outros produtos que serão mais caros no futuro, e além disso é isento de glúten, o aparente inimigo público número um a seguir aos aumentos de preço. É que só circo não puxa carroça, e comer bolos dá cabo da produtividade. 

Vanessa

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Sexta-feira colorida

Black Friday ou Sexta-Feira Negra é um termo vindo do outro lado do Oceano Atlântico, dos Estados Unidos, que designa a abertura da época de compras de natal após o Thanksgiving ou Dia de Acção de Graças. O termo foi utilizado pela primeira vez pensa-se, em 1951. Na época, os registos financeiros eram escritos à mão e tinta vermelha significava perdas e tinta negra significava lucro. A partir da década de 1960, a polícia norte-americana designava como negra a esta época devido ao trânsito e aos incidentes trazidos pelo alvoroço das compras. Os comerciantes motivam ainda mais o alvoroço com descontos supostamente únicos. Hoje em dia, é essa uma das vantagens do dia. No fundo, a Black Friday tem conotações positivas mas também negativas.

Com a globalização, o termo é usado em Portugal e as principais cadeias comerciais aderiram às campanhas promocionais para atrair os consumidores. Eu cá nunca comprei nada na Black Friday, muito sinceramente porque só faço compras quando preciso e a bem dizer as coisas só se estragam nas piores épocas, ou seja, nunca nesta altura de descontos. Além disso, faço por me afastar das zonas comerciais quando há alguma efeméride. Já para não falar nas músicas de natal irritantes que depois ficam no ouvido e não saem nem por nada.

Por isso, as minhas sextas-feiras supostamente negras são sempre mais coloridas, porque tudo o que é sítio onde não se vendam coisas com descontos está muito mais sossegado. As ruas dos subúrbios estão calmíssimos, há menos gente na rua, se bem que pode ser do frio, e há na generalidade paz e sossego, que é o que se quer. Mas no dia em que os cafés aderirem à Black Friday, aí está o caldo café entornado. Se calhar devia mas é aproveitar os descontos para comprar uma máquina cafeteira daquelas que funcionam com cápsulas. Just in case.

Vanessa

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Ponto de saturação

Vi o filme Liga da Justiça (Justice League no original) e como sempre senti-me vagamente insultada. Tem sido recorrente sair do cinema assim, com a sensação de que o filme foi razoável e teria ficado feliz a fazer qualquer outra coisa. A praga dos filmes razoáveis é para mim como um insulto pessoal. Estamos numa fase em que há tanta potencialidade tecnológica que deveriam existir mais filmes espectaculares. A questão é que a par dos efeitos especiais está o enredo, e o enredo muitas vezes ou é negligenciado a favor do estilo ou o estilo é tão grandioso que afoga o enredo. No caso da Liga da Justiça foi um pouco de ambos.

Além disso estou saturada de filmes com super-heróis. Quase todos, até os da Marvel, sofrem de falta de maus da fita. Afinal de contas, um filme é tão bom quanto o seu vilão. Só que de vez em quando há um filme da Marvel que rompe com a tradição e mostra algo mais como o Logan ou o mais recente Thor. Depois uma pessoa fica mal habituada, vai ver filmes razoáveis ou medíocres, e sai do cinema a sentir que perdeu tempo.

Não ajuda que as produtoras reciclem conteúdo (reboots) e recriem personagens, repesquem estórias antigas para as continuar ou para as explicar com sequelas ou para expandir com séries, ou simplesmente copiem o que já foi feito mas agora com efeitos especiais e actores da moda. Onde pára o conteúdo original? 

Suspeito que a continuarmos assim, vou dar um grande avanço na minha lista de livros para ler.

Vanessa

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Lá vai o comboio

No Japão, a empresa Metropolitan Intercity Railway Company pediu desculpas publicamente porque um dos seus comboios partiu 20 segundos mais cedo. Entretanto, a empresa portuguesa CP deve ter ouvido a história e sentiu-se inspirada para antecipar por meia hora o último comboio intercidades que sai de Santa Apolónia em direcção ao Porto, que a partir de 10 de Dezembro vai partir às 21.30h em vez das 22h. 

Tenho um grande orgulho na CP. Os comboios em Portugal funcionam às mil maravilhas, tal como no Japão. Além do mais, quem tiver pressa de ir de Lisboa para o Porto que apanhe um avião. O planeta agradece.

Nota: Às vezes é melhor recorrer ao sarcasmo do que dizer-se o que se pensa.

Vanessa

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Encontros imediatos de grau embaraçoso

Às vezes vejo pessoas que frequentaram a mesma escola que eu, caras conhecidas que me transportam para um passado que parece distante. Admito que sinto uma ponta de superioridade quando vejo os mais atraentes e populares da escola agora com ar desleixado e/ou uns quilinhos a mais, ou com uma catrefada de filhos mais giros do que agora eles estão, ou os mais arrogantes em serviços de atendimento ao público com a bolinha baixa. Não é um sentimento lá muito bonito, eu sei, mas é difícil evitar quando penso no antes e no depois.

Depois há aquele momento em que estás a olhar para algum lado e no teu raio de visão está um antigo colega de turma e como já estás a olhar para ali sentes que não deves ser mal-educada, por isso diriges-lhe palavra só para um olá de longe, e entretanto apercebes-te que não só saíste com a primeira roupa que te apareceu à frente, como tens o cabelo desgrenhado, as olheiras até ao umbigo e estás a segurar um pacote de papel higiénico e umas pantufas ortopédicas, e nisto evitas contacto visual e vais pensando no simbolismo de toda a situação e chegas à conclusão que mais vale não pensar nisso porque só te ocorrem coisas tristes.

E nisto o preço dos teus chocolates, que ainda por cima foram decisão de última hora, não passou correctamente na máquina registadora, tens de reclamar e consequentemente ficar ali mais tempo, e a senhora tem de chamar alguém pelo microfone e tu queres é ir esconder-te nalgum sítio e ainda por cima o pacote de papel higiénico é grande e não cabe no bolso e as pantufas ortopédicas parecem daquelas que as pessoas de idade usam.

Tenho de mudar de cidade.

Vanessa

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Mais engraçado do que as minhas piadas secas é o Google AdSense

Não tenho tido inspiração para escrever piadas secas (mas estão aqui as que já escrevi), e além disso há agora uma página no Facebook chamada O Sagrado Caderno das Piadas Secas que me entretém e me faz ter receio de sem querer copiar ideias. No entanto, recentemente aconteceu uma coisa que teve muita piada. O serviço de publicidade Google AdSense, que já anteriormente tinha recusado a minha candidatura para o meu blogue antigo sem nunca ter explicado o motivo, voltou a recusar, desta vez este blogue. Só que agora deram uma razão. 

Essa é parte hilariante, mil vezes mais engraçada do que qualquer uma das minhas piadas. Prontos? O motivo é insuficiência de conteúdo. O melhor é rir para não chorar. Além de existirem por aí blogues aprovados com meia dúzia de posts, blogues com erros ortográficos, blogues com mais imagens do que texto, e mais não digo para não lavar roupa suja ou ficar deprimida, os meus mais de 580 posts não continham conteúdo suficiente, disseram eles, para ser aprovado. Compreendo que não tenho público-alvo bem definido nem publicações de nicho como se quer, mas esta razão deixa-me perplexa. O Google AdSense nunca fez muito sentido. 

Vão ao fórum e vejam a quantidade de pessoas na mesma situação que eu ou em situações semelhantes. Nada é muito explícito, as explicações são confusas, os métodos mais ainda, recorrer é um processo obscuro. Quando tento voltar a candidatar-me a página oficial encaminha-me para o Blogger, no Blogger a página encaminha-me para a página oficial. Ninguém responde às questões do fórum com explicações que se entendam. Há pessoas a quem a candidatura foi suspensa pouco tempo antes de receberem os ganhos. No fundo, o Google AdSense é uma piada de mau gosto e seria de esperar um serviço bem melhor da parte do Google.

Estou em crer que neste caso o problema não sou eu, é o AdSense. Felizmente há mais peixe no mar.

Vanessa

13 razões pelas quais não gostei da série Por 13 Razões

Quando estagiei no Jornal de Notícias, reportar suicídios era desencorajado. Quando ligávamos para quartéis de bombeiros e para a PJ, tomávamos nota de todo o tipo mortes, mas suicídios raramente eram noticiados. A primeira razão é o facto de que notícias sobre este tipo de morte encorajam os leitores com tendências depressivas. Sempre me disseram, e eu nunca confirmei, que houve sempre picos nas estatísticas de mortalidade após notícias sobre suicídios. Outra razão é o facto de este tipo de fatalidade ser íntimo, e se os jornais publicassem artigos provavelmente teriam de explicar motivos, panorama familiar e profissional, forma de morte, e já se sabe que depois a linha que separa o acto de noticiar do sensacionalismo é muito ténue.

Comecei a ver Por 13 Razões (13 Reasons Why no original), série norte-americana sobre suicídio na adolescência que vi quase de uma assentada. Comecei por gostar e por ficar intrigada, ao longo dos episódios fui ficando apenas intrigada, e acabei a série a detestar as personagens, o enredo, o motivo do e a forma como o suicídio da personagem principal foram representados. Quando mais penso na série, mais a detesto.

Nota: isto é a opinião de uma pessoa que não leu o livro no qual a série se baseou, mas sabe alguns detalhes do original. Possíveis spoilers no desabafo irritado que se segue.

1. Personagens mal desenvolvidas. Vemos apenas personagens a reagir ao que lhes acontece. As atitudes, incluindo muitas das más, não têm explicação lógica. As pessoas são mázinhas só porque sim. Zach é bom aluno, rapaz de família, e um doce de pessoa, até não ser. Só porque sim. Deve ser por gostar de basquetebol. É que normalmente nos filmes, os atletas são sempre cabeças de alho chocho. Um rapaz é pobre, por isso é má pessoa numas ocasiões e passivo noutras, outro é rico, por isso sente que está acima das regras e do bom senso. Pior, não sei nada sobre Hannah Baker, a personagem principal, tirando que quer ser amada e bem tratada. Ah, a sério? Após 13 horas de série, não saberia descrever a moça se me pedissem, o que é um bocado ridículo.

2. Atitudes parvas. A maioria das coisas que levou ao suicídio de Hannah Baker são tolices com excepção, possivelmente, de quatro das razões. Logo a primeira cena, a da foto que parecia algo mais, podia ser justificada. Foi chunga, que foi, mas a foto era péssima e foi tirada por terceiros. Logo, nada diz sobre o carácter da pessoa da foto. Por falar nisso, a foto que o depravado do fotógrafo amador tirou nem dava para perceber quem estava na foto. Ambas são situações de desrespeito, claro, que depois escalam à medida que outras coisas acontecem, mas a moça ou não reage como gente normal. Ninguém numa escola normal se importaria com um poema anónimo, mesmo que o conteúdo fosse vagamente erótico. Há uma lista que objectifica as raparigas da escola, a amiga de Hannah culpa-a (hã?) e ainda lhe dá uma chapada. Hannah nunca se defende como deve ser ou denuncia os (pelo menos três anteriores) eventos para que medidas sejam tomadas. Hannah testemunha uma violação e faz nenhum, mas depois dá na cabeça do namorado que também não fez nada. Hannah é apalpada e não se defende nem denuncia, é violada e não denuncia como deve ser, e reage de formas descabidas.

3. O que seria justificado se Hannah Baker desse sinais de ter uma doença mental. O suicídio é um culminar. Normalmente quem se suicida sobre de ansiedade, depressão, ou outros distúrbios psicológicos. Hannah Baker começa a série como uma jovem inteligente, sarcástica, atraente, às vezes extrovertida. Concluindo, nada que indique ser uma pessoa com possíveis tendências suicidas. A atitude da moça é acumular as emoções sem quase nunca falar com alguém senão no final e depois vingar-se... matando-se e deixando cassetes gravadas com as suas razões. Se isto não é romantizar e até glorificar sentimentos de vingança e o suicídio, não sei o que é.

4. Os bonzinhos da série deviam ser beatificados. Não há uma falha que se lhes aponte. Têm uma moral superior, defendem os injustiçados, e andam cabisbaixos. Clay não tem uma mancha no carácter. Cada lado das cassetes de Hannah representa uma pessoa que contribuiu para o seu suicídio. Clay incluído, mas só para dar um especial drama ao enredo e gerar na audiência curiosidade para continuar a ver a série.

5. As personagens são esteréotipos. Há o nerd Clay, os populares e atraentes, todos atletas e cheerleaders, os populares e sacanas, todos os atletas e principalmente os mais ricos, o artista perturbado e sombrio, o fotógrafo pouco popular, a asiática estudiosa e preocupada com a reputação, o misterioso mais adulto (que por acaso é gay), o gay óbvio da escola, os pouco populares que são saco de pancada. Isto só para resumir.

6. Esta é uma série baseada no diálogo entre personagens, mas o diálogo é péssimo e pouco realista. Nenhum adolescente que eu ouvisse, nem os de documentários e de outras séries e filmes norte-americanos, fala como estas personagens. As personagens soam ao que os adultos acham que os adolescentes de hoje em dia soam.

7. Por falar nisso, muitos dos actores não parecem adolescentes do ensino secundário. Embora seja comum que os actores sejam adultos em filmes sobre jovens, neste caso, a juntar a tudo o resto, isto não dá validade ao enredo, não permite que o público-alvo se identifique mais, e deturpa a mensagem principal, que sim, é válida e necessária, mas não da forma como a séria a capta, que assim no geral se resume a: pessimamente.

8. Toda a gente matou Hannah Baker. É esta uma das mensagens que é directamente dita por Clay. Discordo totalmente. A série é sobre suicídio, não homicídio. É claro que bullying contribui, mas apenas se a pessoa vítima de bullying for predisposta a doenças mentais que levam ao suicídio. E Hannah nunca pareceu predisposta. Não estão lá os sinais, incluindo os mais óbvios, da apatia e tristeza à auto-mutilação, porque há normalmente um crescendo em termos de auto-flagelação antes do suicídio. Depois há belas mensagens como a de Skye, personagem que se auto-mutila, que diz que isso é o que se faz em vez de cometer suicídio, como se a mutilação não fosse por si só um problema grave, como se não fosse tão grave como o suicídio, o que não só minimiza o acto, como até o encoraja como forma de escape. Em retrospectiva, parece-me doentio.

9. Hannah Baker não sabe que não é não. Este assunto é delicado. Na série, Hannah recusa Clay de forma decidida, cinco vezes pela minha contagem, mas sem o querer. O que ela queria era que Clay tivesse ficado, porque claramente ele é a solução para todos os seus problemas (sarcasmo). Mais tarde, Hannah fala com o psicólogo da escola que nada pode fazer porque ela não quer denunciar quem a violou, mas que ainda assim escuta atentamente, recusa chamadas para lhe dar a devida atenção, e Hannah recusa sempre ajuda, mas quando sai porta fora, espera por momentos na esperança de que o psicólogo a vá procurar. A moça espera que as pessoas adivinhem que as suas recusas signifiquem afirmações. Deu-me nervos.

10. O amor cura tudo. Hannah critica constantemente a vida social dos adolescentes, apesar de ela própria participar em todos os rituais típicos. Mais ainda, a vida de Hannah parece centrar-se somente na sua (falta de) popularidade e no facto de ser ou não alvo das atenções dos rapazes. A série dá a entender que se Clay tivesse dito que a amava, as coisas seriam diferentes, o que reduz a mensagem da série de forma destrutiva, fazendo crer que a cura para o suicídio é o amor, ou de forma mais dramática, que a cura é a atenção de um rapaz.

11. As raparigas da série são tolinhas. Preocupam-se com a reputação e com a vida amorosa. São todas atraentes e fúteis. Pouco mais. Não sabemos de quase nada sobre os seus sonhos, ambições, planos. Nada. As únicas mulheres melhor caracterizadas são as mães das personagens principais, e mesmo assim a fasquia continua baixa porque ambas são ingénuas e não vêm o que está à frente do seu nariz.

12. A melhor cena de toda a série, para mim e de um ponto de vista cinematográfico, foi a do suicídio. No livro, Hannah mata-se com comprimidos, mas na série corta os pulsos. A cena foi mostrada ao detalhe e fez impressão, mas pode ser vista como um tutorial para aqueles que estejam a pensar no assunto. Todas as associações que consciencializam e têm como objectivo prevenir suicídios desencorajam retratos deste género e por boa razão. Compreendo que os criadores pudessem pensar que mostrar a violência do acto poderia ser uma forma de deter aqueles que contemplam suicidar-se, mas a forma como romantizam a estória, como glorificam, talvez indirectamente, as escolhas de Hannah e a tornam heroína ou mártir, tudo isto embeleza o acto final.

13. A série dá a entender que pedir ajuda é infrutífero. Nunca vemos alguém ajudar Hannah, nunca a vemos pedir ajuda a sério, quase nunca alguém a compreende. O lado produtivo desta série seria informar e prevenir, mas ao tornar Hannah num puzzle, apenas serve de entretenimento. Os criadores dizerem que as intenções foram boas não valida as intenções. Não vejo na série essas intenções de alertar para o suicídio. Vejo apenas um romance em que uma rapariga se vinga de quem lhe fez mal e que de caminho se torna popular, coisa que não foi em vida, numa de dar uma lição aos maus da fita, que agora na generalidade se culpam, o que retira da pessoa que se suicidou qualquer responsabilidade pelo acto em si. Tudo isto mostrado de forma superficial e com um quê de intriga para manter audiências, e na minha opinião de forma irresponsável.

Vanessa

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Costas largas

"Every leap of civilization was built on the back of a disposable workforce ..." Niander Wallace (personagem fictícia em Blade Runner 2049). Traduzido dá qualquer coisa como: todos os saltos civilizacionais foram construídos nas costas de mão-de-obra descartável. Mas a escravatura já foi mais ilegal do que nos dias que correm. Veja-se a Web Summit, evento que move milhões de euros, com os bilhetes normais a custarem 1500€, mas a funcionar à conta de 500 voluntários como se fosse uma organização sem fins lucrativos, ou a quantidade de estágios curriculares ou profissionais de origem duvidosa que proliferam nas ofertas de emprego.

A Comissão Europeia alertou para a política de salários baixos em Portugal, vi hoje nas notícias. Uma vez que não posso generalizar, vou aos casos que me são próximos. Tenho amigos com 30 anos que ainda são estagiários. Tenho outros vários a recibos verdes. Os poucos com um contrato de trabalho decente trabalham que nem mulas. É esta a mão-de-obra descartável que avança a economia, que na verdade não avança coisa nenhuma.

Às vezes olho para as estatísticas e fico a pensar em como a qualidade de vida tem estagnado. Se medíssemos a qualidade com base em novas tecnologias, estaríamos num patamar muito superior, mas há muito de básico que não avança. Pior, parece recuar. A minha visão é tão mais pessimista quanto mais sou exposta à informação. É por isso que leio cada vez menos notícias e às vezes tenho reacções apáticas até ao que é positivo.

Há quem pense que os millennials são os culpados de tudo quanto é mau e há quem pense que estamos a trilhar um novo caminho, novos hábitos e mais ponderação. É tudo força das circunstâncias, estou em crer. Se tudo o que nos foi dito tivesse sido realidade, como estudar muito para ter bons empregos e seguir as pisadas das gerações passadas, desde comprar casa a constituir família, não haveria tanta startup, tanta inovação, tantas novas ideias que vieram abalar o sistema. A necessidade é aqui mãe das invenções, porque temos as costas largas para tudo quanto é culpas no cartório, mas também para arcar com crises que há muito estão em fase de incubação e com as consequências das crises todas e com um planeta em fase de declínio.

A premissa para este post veio do Blade Runner 2049, mas o que eu queria era que um dia estivéssemos mais próximos de uma sociedade como a do Star Trek. Disse certa vez o Capitão Picard, "Ultrapassámos a fome e a ganância, e já não estamos interessados na acumulação de coisas". Estamos numa fase de transição, mas um dia chegamos lá... ou perecemos a tentar. Sendo pessimista, nem vou escrever o desfecho que imagino.

Mas tenho esperança de que tudo o que de positivo há em Star Trek, e não Blade Runner que de positivo tem apenas o avanço tecnológico, seja uma profecia em vez de mera ficção.

Vanessa

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Ajustes

Preciso sempre de duas a três semanas até me habituar à mudança da hora. No verão a mudança não me faz grande diferença senão na euforia de apanhar mais sol e de os dias parecerem mais longos. No inverno o caso é diferente. Há sempre uma altura da tarde em que parece que é muito tarde. Depois das cinco parece que são nove da noite. Se acordo tarde, o dia é muito curto. Por aí fora. A conclusão é que pareço um zombie.

Ando movida a cafés e chás, sopas e Buddha bowls. As mantas e a botija de água quente já saíram do armário. Até já usei uma camisola polar esta semana, numa noite de 13 graus. Quando vou ao supermercado, irritam-me as músicas de natal, mas tentam-me os bombons. Parece tão cedo e tão tarde quase todo o dia.

Esta semana a minha afilhada fez um ano. Quando se acompanha o crescimento de uma criança parece sempre tão tarde em tantos aspectos. Estiveram quatro gerações à mesa nesse dia. Muita gente feliz. Vejo a família da mãe da minha afilhada em ocasiões como esta desde que tínhamos 14 ou 15 anos. Metade da nossa vida. 

Vemo-nos a envelhecer uns nos outros quando nos encontramos nos aniversários. Mais um ano, mas menos um ano. É mais fácil celebrar o aniversário de crianças. Há sempre muito pela frente.

Vanessa

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

A verdade ainda está lá fora

Lembro-me de ter uns 10 anos e de ficar colada ao ecrã da televisão quando a TVI transmitia os Ficheiros Secretos (X-Files no original). Não me lembro de nenhum episódio específico. Apenas me recordo de ver Dana Scully e Fox Mulder em cenários escuros com uma música sinistra no fundo, e disso ficaram as sensações que a série transmitia às segundas-feiras à noite com enredos que envolviam o paranormal e o sobrenatural.

Havia tanto no mundo que desconhecia nessa altura, e ainda hoje. Tenho visto os Ficheiros Secretos desde o início há cerca de um mês. Vou na segunda de dez temporadas, e de vez em quando há cenas que me lembro de ter visto. A maior parte dos temas não me são desconhecidos, porque desde essa altura que me fascinam todas as áreas do oculto, provavelmente devido à influência que a série teve em mim desde criança.

Muitas das teorias da conspiração que guiavam Fox Mulder são agora comprovadas ou pelo menos verificadas. Ficheiros Secretos levava essas teorias ao extremo, mas até ao momento apenas coisas como os monstros, as mutações, e as bactérias milenares soterradas no solo ou no gelo parecem ser mera ficção. 

Fiquei especialmente fascinada com o episódio 21 da primeira temporada quando Scully e Mulder usam um software para reproduzir em 3D dentadas encontradas numa cena de crime de forma a comprovar o culpado, tema que sobre o qual o programa Last Week Tonight se debruçou num episódio recente sobre ciência forense e concluiu ser insuficiente para nos Estados Unidos condenar alguém, mas que é usado na mesma.

Mais ainda, fiquei impressionada com o episódio 10 da segunda temporada, onde a teoria da conspiração do episódio tinha que ver com as hormonas injectadas em vacas e os consequentes efeitos nos humanos, e o episódio envolvia uma seita de veganos. A teoria continua a ser conspiração, mas agora sabemos que o que é injectado nos animais antes do matadouro também tem consequências para a saúde dos humanos.

A cada episódio fico fascinada com o facto de não me lembrar de nada muito específico, pois na memória tenho apenas algumas cenas e sensações de curiosidade (muitas vezes mórbida), mal-estar, perplexidade, mas também com o facto de as minhas horas vagas serem passadas debruçada sobre tópicos semelhantes, às vezes os mesmos, 23 anos passados desde que a primeira temporada passou na televisão portuguesa.

O spot publicitário que a TVI passava usava a frase "A verdade está lá fora" e "Quero acreditar", muito usadas ao longo da série como ímpeto para avançar, e a verdade ainda, está de facto, lá fora, misturada com teorias da conspiração e campanhas de desinformação, e Mulder seria tão feliz com as descobertas que já se fizeram, com os novos casos que a internet propaga, com as conspirações recentes, e com as novas tecnologias.

Vanessa

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

O (a)cúmulo do tsundoku

Tsundoku não me parece uma palavra muito bonita, mas está cheia de significado. É um termo japonês que não pode ser traduzido para uma palavra apenas porque cada sílaba já conta uma estória. "Tsunde" significa empilhar coisas. "Oku" significa deixar coisas num lugar por algum tempo. "Doku" significa ler. Tudo junto dá uma palavra para definir pessoas como eu: pessoas que compram e (consequentemente) acumulam livros. Por outras palavras e de forma minimalista, à boa maneira japonesa, tsundoku é o cúmulo do acúmulo literário.

No meu caso não se trata de ganância. Compro livros frequentemente e a lista daqueles por ler já vai longa, mas o meu é um caso de subestimação de tempo, ou talvez seja um síndrome de esperança aguda. Creio sempre que um dia vou conseguir ler todos os livros que compro, e até os que ainda pretendo comprar. Já aqui dizia que todos os meus livros simbolizam o que aprendi, até aqueles que ainda não li. Por isso, olho para as pilhas de lombadas como um investimento a longo-prazo que um dia poderão ser rendimento passivo.

Todo o meu acúmulo literário é no fundo potencial riqueza. Há quem coleccione pacotes de açúcar ou selos ou outras coisas mais absurdas. Eu não vejo mal nenhum em coleccionar livros, excepto que por vezes vê-los causa-me ansiedade. Transtorno. Há sempre a dúvida. Será que os vou conseguir ler todos antes de morrer? Olho para as obras que ainda estão por pegar e de certa forma confronto-me com a própria mortalidade.

Está implícito no tsundoku o acto de comprar livros, acumulá-los e não os ler. Parece-me o prefácio de uma estória de terror. Ao ter tantos livros à mão de semear estou com certeza mais perto de os ler do que se eles estivessem numa qualquer loja. Não deixa de ser angustiante não conseguir chegar a todos da forma que gostaria. Ser leitor é ter instinto para a leitura, mas também um certo sentimento de obrigação. Chega a ser imposição. Pode às vezes ser compulsão. No fundo, todos os vícios nos confrontam com a mortalidade.

O melhor é seguir os meus próprios conselhos para ler mais e melhor, os quais descrevi aqui, e esquecer o tsundoku se quero chegar ao cúmulo literário ao invés do mero acúmulo.

Vanessa

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Este vai ser o Halloween mais aterrorizador de sempre

Fantasmas? Bruxas? Zombies? Aliens? Assassinos em série? Não. Este calor. Nunca em Outubro consegui que a roupa secasse num dia lá fora. Aliás, sempre foi frequente a roupa ter de secar dentro de casa. Nunca andei de manga curta em Outubro senão quando estive por esta altura na Índia. Tudo isto é assustador porque simboliza alterações climáticas e aquecimento global. Muito mais aterrorizador que qualquer personagem do folclore.

Por outro lado, são boas notícias para quem compra os fatos de Halloween mais sexy, aqueles com saias bem curtas e tops minúsculos. As vampiras e enfermeiras sexy desta Noite das Bruxas não vão apanhar resfriados.

Vanessa

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Thor: Ragnarok vale a pena

Apesar de estar saturada de filmes com super-heróis, fui à antestreia de Thor: Ragnarok, realizado pelo para mim desconhecido Taika Waititi. Thor é daqueles filmes que nunca me cativou e sempre pensei que fosse por ter demasiada fantasia. Até que vi Doctor Strange e percebi que o problema não era a temática, mas o género.

Isso ficou resolvido em Thor: Ragnarok, que agora abraça a comédia e se transforma num filme muito mais apetecível para mim. A comédia é um género delicado. Quando o filme começou pensei que ia correr mal e que estava prestes a assistir a um desfile de humor fácil, como muitos filmes de acção agora fazem. No entanto, à medida que o enredo avançou, o lado de comédia tornou a estória mais fácil de engolir.

Nos dois filmes anteriores tinha pensado que se os momentos engraçados fossem mais prolongados e frequentes, o enredo seria mais interessante e menos absurdo e aqui tive a confirmação. Houve momentos hilariantes, daqueles de soltar uma lágrima de tanto rir, e nem a quantidade de personagens destronou o papel da comédia. Foi, aliás, muito mais fácil acompanhar cada personagem, até as secundárias, graças ao seu tipo de humor.

O enredo continua um pouco absurdo para mim, ao contrário de outros filmes da Marvel, que apesar de serem fantasiosos, conseguem manter algum sentido e incluir cenas plausíveis dentro do cenário. Por vezes custa-me entrar naquele mundo feito de outros mundos e seguir aquilo a que se chama MacGuffin, o ponto que motiva a acção, mas em Thor a jornada é agora mais agradável. O realizador apurou as motivações de cada personagem, deu-lhes nova vida (nunca gostei do Hulk até este filme), e conseguiu enriquecer todo o cenário, de tal forma que mais de duas horas de filme passaram num ápice, porque muito desse tempo foi passado a rir.

Este Thor vale a pena porque mostra o seu lado de entretenimento cinematográfico. O meu lado feminista também ficou contente com o filme. Mais não digo.

Vanessa

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Fazer horas e perder tempo

Seria de esperar que fazer horas fosse produzir tempo. No entanto, se estiver a fazer horas, estou na verdade a gastá-las em função de algo que vem a seguir. Fazer horas ou fazer tempo são oxímoros interessantes. Significam para mim desperdício de parte do dia em função de algo importante. Em vez de produção, simbolizam consumo desmedido a troco de uma recompensa que valide a ocupação do tempo com coisas insignificantes.

Fazer horas ou fazer tempo são também sinónimo de espera. Era bom que fazer significasse fabrico, elaboração, execução, causalidade, ou acção no geral, mas para mim parece-me sempre uma coisa passiva, isso de fazer tempo. Associo-o ao gerúndio. É ir esperando mas com entretenimento. Em inglês, fazer tempo significa apressar. Andar nas horas, como dizemos em português, para cumprir a pontualidade. Fazer tempo em português, está para mim associado a perda pela falta de pontualidade de outra pessoa, ou então porque o meu apreço pela pontualidade faz com que chegue sempre demasiado cedo aos compromissos. Depois tenho de fazer tempo.

Não é por coincidência que o meu passa-tempo preferido é ler livros quando tenho de fazer horas. A leitura pode não fazer tempo como um artista faz uma escultura ou uma mãe faz o jantar, mas é uma das únicas formas de sentir que fazer horas não é perder tempo. Hoje, estive a fazer horas no aeroporto e não li, mas nenhum tempo foi desperdiçado enquanto esperávamos pela hora de embarque da minha mãe. Já tinha começado a escrever isto durante a noite, mas no aeroporto lembrei-me que na viagem do oriente para o ocidente o tempo faz-se. Chega-se no mesmo dia em que se saiu. Por isso, a minha família passa a vida a fazer tempo.

Tenho de viajar mais vezes para o oriente, para na volta sentir que o tempo se produz.

Vanessa

Um pedido de desculpas a Sahar Dofdaa

Às vezes escrevo e apago textos porque me parecem lamurias. Ontem vi a foto da menina síria, Sahar Dofdaa, que morreu de fome. As únicas coisas que me ocorreram escrever sobre o assunto são nada mais que lamurias. Por exemplo, a imagem ficou-me gravada no cérebro. Não os pormenores. Na minha memória persiste apenas um vulto esquelético na cama. Não lhe vejo o rosto. Mas isso não me impediu de não conseguir dormir. Um bebé de um mês de idade com menos de dois quilos. Uma mãe mal nutrida sem conseguir amamentar. 

De mim, só lamurias. Não consegui dormir e não consegui esquecer nem depois de dormir. Depois, quando comi, pensei no bebé. Isto são meros lamentos. Sou como a Murta Queixosa do Harry Potter. Um fantasma que choraminga. Na verdade, o que eu sinto não tem importância na escala global das coisas. Sahar Dofdaa e outros tantos bebés morrem todos os dias depois de o seu corpo se consumir por dentro até desaparecer.

São crimes sem punição suficiente. Já são milhares de vidas perdidas assim. Quando vi as notícias, todos os pormenores políticos, estratégicos, militares, médicos tornaram-se um borrão de palavras que nada me diz, mesmo sabendo que informação é poder. Quando estudei jornalismo não me ocorreu que a informação não servisse de nada em tantas ocasiões, que notícias sobre bebés-esqueleto não servissem para os salvar, que a indignação pública não nos movesse para a acção, que fosse possível haver um fosso entre países.

A 18 de Abril de 2008 falecia Edward Lorenz, pai da Teoria do Caos. Eu, verde na profissão de noticiar, escrevia no jornal digital JPN, "Lorenz partiu da premissa de que pequenos eventos podem causar mudanças caóticas a médio ou longo prazo e na década de 60 (...) desenvolveu um estudo intitulado 'Previsibilidade: O bater de asas de uma borboleta no Brasil desencadeia um tornado no Texas?'". Tinha sido a primeira ocasião em que os conceitos que me apresentavam as pessoas que entrevistei, por serem matemáticos e eu uma mera escritora, ultrapassavam a minha compreensão e tinham causado, por ironia, um verdadeiro caos mental.

Até que me foquei no conceito apresentado por um dos entrevistados. O caos determinístico. A ideia de que pode haver na desordem um conjunto de aspectos não aleatórios. Um padrão que faz sentido. Um sistema com explicação e resolução. As crises mundiais, as de fome, as de guerra, as financeiras, todas elas são caos determinístico. Todas elas são causa e consequência e todas as que têm impacto hoje em dia foram causadas por nós. Somos nós a borboleta que bate as asas num sítio e causa um tufão a quilómetros de distância.

As alterações climáticas geram conflitos. Nós agravamos as alterações climáticas. Nós persistimos no uso de combustíveis fósseis que degeneram as alterações climáticas que geram conflitos. Nós escondemo-nos por detrás de ideologias que se alimentam do caos gerado por nós e nos separam uns dos outros. Nós deixamos que tudo isto aconteça e consequentemente deixámos que Sahar Dofdaa morresse. Aqui está a Teoria do Caos.

Com isto, resta-me apenas oferecer um pedido de desculpas pessoal a todas as Sahar Dofdaas deste mundo.

Vanessa

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Provavelmente nunca irei a Marte, mas o meu nome vai

A NASA vai enviar a missão InSight para Marte. Tal como aconteceu com a missão Orion, a agência espacial norte-americana vai enviar a 5 de Maio de 2018 dois microchips com os nomes de quem se inscrever neste site até 1 de Novembro próximo. O site gera um passaporte personalizado, à semelhança deste meu:

O programa InSight tem como objectivo estudar as características geofísicas de Marte como os processos de formação da geologia, temperatura e sismologia, mas principalmente chegar a uma explicação sobre a o processo de formação de planetas ao explorar as camadas terrestres do planeta vermelho.

Já que eu provavelmente nunca terei oportunidade para visitar Marte, ao menos vai o meu nome. Para que serve, não sei. Mas é uma ideia engraçada. Bom era eles enviarem também o endereço de email ou até contacto telefónico. Adorava ser contactada por um marciano ou por outro alien que por lá passasse.

Vanessa

O Círculo versus The Truman Show

Aviso: Spoilers. Em O Círculo (The Circle em inglês), de 2017, Mae é contratada pela maior empresa de tecnologia e redes sociais do mundo. A empresa investe em aparelhos e software com o intuito de tornar o mundo melhor através da democratização da informação, e da transmissão e cruzamento de dados. Todo o mundo parece achar boa ideia. Mae vai caindo numa teia de ilusões e torna-se porta-voz da empresa, uma influencer, e as suas decisões passam a ter influência não só sobre os que lhe são queridos, mas sobre toda a sua audiência.

Em The Truman Show - A Vida em Directo, de 1998, Truman é uma estrela de televisão sem o saber e não conhece outra realidade senão a que foi criada para o programa no qual a sua vida é transmitida. Todos os que conhece são actores, muitos dos produtos que usa são na verdade patrocínios, todas as decisões estão fora do seu alcance. Todo o mundo parece achar boa ideia assistir à vida de uma pessoa que não sabe que é o protagonista de um programa televisivo. Truman vai saindo da teia de ilusões ao longo do filme.

O Círculo tem uma cotação de 5,3 no IMDb. The Truman Show tem 8,1. O Círculo apresenta-se como drama, ficção científica e thriller. The Truman Show como comédia, drama e ficção científica. À parte isso, por que razão decidiria eu juntar os dois filmes numa única publicação? Para mim, as temáticas são semelhantes. Privacidade. Entretenimento. Informação. Futuro. No entanto, ao primeiro dei uma classificação de 3 e ao segundo dei um 9. Podia ter escolhido A Rede Social ou o livro 1984. Mas pareceu-me que a comparação mais justa seria o Truman Show. Um protagonista, um conflito, uma resolução catártica. No Círculo foi isto mas em mau.

Uma das premissas para que uma obra de ficção seja aclamada é o protagonista ser representante de todos nós. Há que haver algo que nos faça relacionar com a vida, os conflitos internos, ou até mesmo só a aparência do protagonista. Mae, zero. Truman, 1. Mae é aborrecida, apática a maior parte do tempo, demasiado simpática, demasiado ingénua, demasiado cega. Truman é o rosto de todos nós. Mas com carisma.

Círculo quer ser um filme sério. Um drama com proporções plausíveis. Só que não. Alguma vez milhares de pessoas aceitariam perder a sua privacidade da forma que o filme mostra? O filme faz com que a empresa pareça um culto e não uma hipótese, os seguidores como seres sem alma e zero sentido crítico, groupies até. The Truman Show difere no sentido em que se apresenta maioritariamente como uma comédia. É uma versão satírica de um cenário futurista. É intencionalmente exagerado. Torna-se assim uma crítica social com bom gosto.

O conflito é um dos catalisadores de toda a acção. No Círculo, os conflitos não passam de pormenores. A questão da privacidade é constantemente posta de lado em função do bem comum, mas quase sem consequências que causem impacto visível. Os conflitos que decorrem da acção parecem supérfluos, despojados de significado. Até há alguém que morre. Mas minutos depois, a protagonista continua na ilusão. Em Truman o impacto das emoções é gerido com mestria e não só porque Jim Carrey é um actor brilhante. O impacto sente-se muito mais porque as personagens, até as que na ficção são também ficcionadas, estão bem desenvolvidas.

A resolução por isso é muito mais emocionante em Truman Show. No Círculo nem tanto. Em ambos os filmes, o conflito é causado por criadores e a resolução no acto de os desmascarar. No Círculo o acto final é apenas uma coisa que acontece para concluir o filme. Não há um escalar de acontecimentos. A protagonista vai aceitando e até impondo, contribuindo para o conflito em vez de o tentar combater, e depois passa a perna aos criadores. Em Truman Show há toda uma carga simbólica que embrulha o desfecho com um laço bonito quando Truman se revela metaforicamente como o True Man, caminha sobre a água como Jesus e confronta o criador.

Ambos os filmes apresentam possibilidades muito remotas e até absurdas de formas diferentes. Ambos chegam a ser caricaturas. No entanto, um deles leva-se demasiado a sério. O outro satiriza. No fundo, o enredo de Truman Show parece um círculo enquanto que o Círculo parece uma linha em ziguezague.

Vanessa

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha

A Lagoa de Santo André, entre Santiago do Cacém e Sines, é na verdade uma ponte entre o homem e a natureza. Todos os anos, desde o século XVII,  lagoa é aberta ao mar, antigamente com o auxílio de animais, e hoje com máquinas. Actualmente a empreitada faz-se no equinócio da primavera, altura em que a lua nova permite que as marés sejam extremas e facilitem o processo de renovação das águas e dos organismos da lagoa.

Na Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha, homem e natureza convivem e beneficiam-se. Há aqui mais de 270 espécies de aves e 510 espécies de plantas. A enguia é protagonista, sendo muito apreciada na gastronomia local, mas vive também na reserva um peixe chamado pardelha, espécie rara em Portugal. A Lagoa de Santo André está classificada como Zona Húmida de Importância Internacional e com boas razões.

Há aqui dunas e pinhal, caniçais e salgueirais, espécies de água doce e de água salgada em harmonioso convívio. Este é o maior sistema lagunar da costa alentejana. Numa próxima visita tiro mais fotos do que estas.

O meu roteiro:
Museu Municipal de Santiago do Cacém
Castelo, Igreja Matriz e Cemitério de Santiago do Cacém, Alentejo
Praia Vasco da Gama, Baía de Sines, Setúbal
Ilha do Pessegueiro, Porto Covo, Alentejo Litoral
Vila Nova de Milfontes, foz do rio Mira, Praia das Furnas
Barragem de Santa Clara, rio Mira em Odemira, no Alentejo Litoral

Vanessa

Preçário de custos

Preço e custo são definidos de forma semelhante no dicionário, mas as definições secundárias são diferentes. Preço não é apenas o valor pecuniário. Pode significar também castigo. O preço a pagar. Pagar caro. A qualquer preço. Por outro lado, o custo não significa apenas o preço monetário a pagar. Com certeza que algo que custe os olhos da cara requer um esforço que vai além do valor da moeda. Custe o que custar e a todo o custo não se referem apenas ao dinheiro. O custo vai além do preço e o preço é muitas vezes a soma de todo o custo.

Trabalhar tem um preço mas implica também um custo. O trabalho custa-nos tempo e espaço mental, o preço a pagar, e a moeda de troca é moeda literal, um ordenado. Parece-me, no entanto, que o valor do trabalho hoje em dia é desvalorizado. Digamos que a mão-de-obra está ao preço da uva mijona. O custo neste contexto é a perda da qualidade de vida porque ao vendermos os nossos serviços, perdemos muito no processo.

Quando me tornei freelancer pela primeira vez, passei a encarar os preços como deduções de tempo. Um saldo cada vez mais negativo. Cada preço passou a equivaler ao (custo do) número de horas que levava da minha vida para chegar à quantia final. Ou seja, digamos que um café podia significar 10 minutos de trabalho. Ou seja, 10 minutos de vida a menos para pagar o preço do café. Um preço, um custo. O ganho podia ser mais rendimento, uma vez que o café também ajuda na produtividade. Mas tempo de vida é mais importante.

Hoje em dia é-me mais fácil fazer contas à vida. Sei que um livro ou uma camisola ou um jantar fora podem ter o custo de duas horas de trabalho. É um preço alto. Duas horas de vida vezes não sei quanto tempo total. Horas perdidas à conta de caprichos. Ou necessidades? O problema é que gastar o que se ganha custa virtualmente nada. E é cada vez mais fácil. Às vezes bastam três cliques. Nem é preciso pensar. Mas ser pobre em valores monetários foi o que me fez pensar no verdadeiro preço a pagar. No real custo das coisas.

Diz-se que tempo é dinheiro. Nesse sentido, nascemos tecnicamente milionários. Mas até isso é temporário. Primeiro, porque a cada aniversário estamos mais próximos da morte. Segundo, porque oferecemos o nosso tempo em troca de tão pouco. Terceiro, porque nos esquecemos de que o custo resume-se ao tempo que perdemos. Quarto, porque o trabalho como meio para atingir um fim, fim esse a qualidade de vida ou a felicidade ou o que lhe queiramos chamar, é também um meio para ir perdendo o fim aos poucos.

Somos todos moeda de troca. Somos preço e somos custo.

Vanessa

Coisas corriqueiras

Este foi um fim-de-semana de comer coisas que sabem bem mas fazem mal à saúde, de estar com amigos que já são família, de ver filmes maus e bons. Foi um fim-de-semana de inverno e o clima esteve à altura.

No meu antigo blogue era habitual escrever sobre os aspectos mundanos da vida, descrever eventos, estados de espírito, coisas sem muita substância. O meu antigo blogue era mais anónimo do que este e não sei até que ponto esse aspecto tornava mais fácil a escrita de coisas corriqueiras. Havia uma certa leveza.

Agora as coisas são mais pensadas porque assino com o meu nome. Não há pseudónimo quando desabafo e por isso há um maior cuidado em tornar politicamente correctas as minhas publicações. Mas é sem querer.

Por outro lado, penso mais nas coisas. Se dantes pensava que pensava muito, a idade piorou o meu estado introspectivo. Às vezes até me faltam as palavras para exprimir e por isso desisto. Escrevo e apago.

Este foi um fim-de-semana de coisas corriqueiras e dei por mim a querer escrever sobre isso como dantes fazia. Às ponho-me a ler as parvoíces que escrevia. Rio-me de mim própria. Fico surpreendida com tudo.

Parece que estou a ler coisas de outra pessoa.

Escrevia sem letras maiúsculas porque achava ser mais democrático. Não queria que as palavras se sentissem injustiçadas. Frequentemente, as publicações consistiam em meras frases. Sinto que era muito mais criativa do que agora. Escrever não envolvia esforço de forma alguma. Não pensava em temas que poderiam ser de interesse público ou pessoal para escrever sobre eles. Nunca pensava na possibilidade de ser aborrecida, demasiado crítica, controversa, inconveniente. Simplesmente escrevia e deixava estar.

Acho que o meu cérebro funcionava melhor por tudo isso. Mantinha um diário onde escrevia tudo o que era mais íntimo, mantinha um blogue onde escrevia sobre tudo o resto e às vezes até sobre o que era íntimo. Em conclusão, era mais criativa e encarava a vida de outra forma. Se calhar mais infantil.

Se calhar, voltar a fazer tudo isso seria como voltar atrás no tempo. Não vejo mal nenhum nisso.

Vanessa

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Museu Municipal de Santiago do Cacém

O edifício do Museu Municipal de Santiago do Cacém foi outrora a Cadeia Comarcã. No museu é possível encontrar uma colecção de numismática com exemplares do século III a.c. até à República, uma mostra etnográfica com o contributo dos habitantes do município, e exposições sazonais. Quando visitei o museu, estava exposta uma galeria de pintura de Claude Yersin. No museu prestei especial atenção aos vários retratos da família dos Condes de Avilez, uma vez que vi o meu apelido, Sousa, em grande parte das placas de identificação. A árvore genealógica da família Avilez acrescentou o apelido Sousa Tavares quando D. Maria Francisca Mafalda Rita Salema de Andrade Vila Lobos Guerreiro de Aboim casou com Jorge de Avilez Zuzarte de Sousa Tavares, segundo conde de Avilez. Achei piada à curiosidade, mas a verdade é que Sousa é um apelido muito comum.

Na galeria com os quadros do pintor Claude Yersin houve um quadro em especial de que gostei e fiz questão de fotografar em vez de o comprar pelos 250 euros que vale. Todos os quadros, de longe, parecem fotografias de paisagens ou de momentos quotidianos, mas são trabalhos manuais a pastel, aguarela e óleo.

No jardim em frente ao museu encontrei um frigorífico antigo que serve de biblioteca, improvisada e sem supervisão. Em Porto Covo, onde tinha estado na semana anterior, havia uma cabine telefónica que era também uma biblioteca. É engraçado como estas ideias geniais abundam em cidades do interior, que seria de esperar serem desertos. Há sempre tantas ideias que poderíamos roubar e trazer para os centros populacionais.

Visitei ainda o Sítio Arqueológico de Miróbriga, mas acabei por não fazer o percurso para não pagar a entrada (três euros, penso eu, mas o preço não está indicado em nenhum site oficial). As ruínas são de um povoado que surgiu durante o Bronze Final e a Idade do Ferro (séculos VI-I a.C.). Vi apenas um pouco a partir da entrada.

O meu roteiro:
Castelo, Igreja Matriz e Cemitério de Santiago do Cacém, Alentejo
Praia Vasco da Gama, Baía de Sines, Setúbal
Ilha do Pessegueiro, Porto Covo, Alentejo Litoral
Vila Nova de Milfontes, foz do rio Mira, Praia das Furnas
Barragem de Santa Clara, rio Mira em Odemira, no Alentejo Litoral

Vanessa

A meta arte de Stefan Draschan

O fotógrafo e activista austríaco Stefan Draschan passa horas em museus, em Paris, Berlim e Viena. Como resultado, conseguiu uma série de fotos em que os observadores dos quadros parecem saídos da tela. Quem vê as imagens poderia pensar que as fotos são planeadas, ensaiadas, orquestradas, mas o resultado é mesmo conseguido após horas e até dias à espera do encaixe perfeito: da harmonia, da oposição ou só do humor que a combinação inesperada ou peculiar entre os transeuntes e os quadros transmite.

Na série de imagens intitulada People Matching Artworks há uma correlação entre formas e cores, mas também contexto. O observador torna-se uma extensão da obra, ou vice-versa. Há pessoas a usar roupas parecidas aos dos retratados nos quadros, em situações e poses semelhantes, mas por vezes também em contraste, com obras de séculos idos e detalhes do quotidiano de hoje numa só fotografia que se torna assim meta arte.

Stefan Draschan expõe também fotos de pessoas a dormir em museus, casais com visuais a condizer, e até carros a condizer com casas. O olhar satírico e humorístico do fotógrafo é um exemplo da arte a imitar a vida a imitar a arte, mesmo que seja apenas por coincidência. As fotos que vi são uma ponte entre dois mundos.

Edição: O Bored Panda fez uma compilação de algumas das melhores fotos da série People Matching Artworks.

Vanessa

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Coisas que não mudam

No final de 2014, a campanha do Euromilhões tinha como slogan, "Há coisas que não vão mudar". Mas a memória colectiva frequentemente transforma o slogan em, "Há coisas que nunca mudam". O ano passado, em Agosto, publicava eu um poema de rimas absurdas a sumarizar a questão dos incêndios, intitulado Somatório Escaldado. E agora, um ano passado, um pouco mais tarde, voltamos ao tema pelas piores razões.

O ciclo parece-me o mesmo todos os anos. Há incêndios, perde-se património nacional e pessoal, perdem-se vidas. E depois perde-se tempo, de cabeça quente, com a questão das culpas e uma lista de necessidades para que a situação não se repita. Entretanto, parece que nos perdemos no tempo e no espaço quando estão os ânimos em fase de rescaldo. E damos por nós no ano seguinte com mais incêndios e depois mais culpas, e nada.

Comecei por escrever sobre uma campanha publicitária apenas para questionar de forma retórica se nos ficamos com um "há coisas que nunca mudam" ou um "há coisas que não vão mudar". Ou se passamos ao slogan da Nike e para o ano conseguimos preservar e reproduzir a riqueza que sobrou após anos de incêndios.

Lembro-me agora de uma frase de Tarun Sarathe, frequentemente usada em imagens, sem alusão à autoria, e que em forma de ironia ou sátira resume a chave do nosso problema: "Imagine if trees gave off WiFi signals. We would be planting so many trees and we'd probably save the planet too. Too bad they only produce the oxygen we breathe." Tradução: "Imagine-se que as árvores emitiam sinais WiFi. Plantaríamos tantas árvores e provavelmente também salvaríamos o planet. É pena que elas apenas produzam o oxigénio que respiramos."

Vanessa