quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Fazer horas e perder tempo

Seria de esperar que fazer horas fosse produzir tempo. No entanto, se estiver a fazer horas, estou na verdade a gastá-las em função de algo que vem a seguir. Fazer horas ou fazer tempo são oxímoros interessantes. Significam para mim desperdício de parte do dia em função de algo importante. Em vez de produção, simbolizam consumo desmedido a troco de uma recompensa que valide a ocupação do tempo com coisas insignificantes.

Fazer horas ou fazer tempo são também sinónimo de espera. Era bom que fazer significasse fabrico, elaboração, execução, causalidade, ou acção no geral, mas para mim parece-me sempre uma coisa passiva, isso de fazer tempo. Associo-o ao gerúndio. É ir esperando mas com entretenimento. Em inglês, fazer tempo significa apressar. Andar nas horas, como dizemos em português, para cumprir a pontualidade. Fazer tempo em português, está para mim associado a perda pela falta de pontualidade de outra pessoa, ou então porque o meu apreço pela pontualidade faz com que chegue sempre demasiado cedo aos compromissos. Depois tenho de fazer tempo.

Não é por coincidência que o meu passa-tempo preferido é ler livros quando tenho de fazer horas. A leitura pode não fazer tempo como um artista faz uma escultura ou uma mãe faz o jantar, mas é uma das únicas formas de sentir que fazer horas não é perder tempo. Hoje, estive a fazer horas no aeroporto e não li, mas nenhum tempo foi desperdiçado enquanto esperávamos pela hora de embarque da minha mãe. Já tinha começado a escrever isto durante a noite, mas no aeroporto lembrei-me que na viagem do oriente para o ocidente o tempo faz-se. Chega-se no mesmo dia em que se saiu. Por isso, a minha família passa a vida a fazer tempo.

Tenho de viajar mais vezes para o oriente, para na volta sentir que o tempo se produz.

Vanessa

1 comentário:

Marta Moura disse...

Também aproveito todos os momentos mortos para ler.