segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Costas largas

"Every leap of civilization was built on the back of a disposable workforce ..." Niander Wallace (personagem fictícia em Blade Runner 2049). Traduzido dá qualquer coisa como: todos os saltos civilizacionais foram construídos nas costas de mão-de-obra descartável. Mas a escravatura já foi mais ilegal do que nos dias que correm. Veja-se a Web Summit, evento que move milhões de euros, com os bilhetes normais a custarem 1500€, mas a funcionar à conta de 500 voluntários como se fosse uma organização sem fins lucrativos, ou a quantidade de estágios curriculares ou profissionais de origem duvidosa que proliferam nas ofertas de emprego.

A Comissão Europeia alertou para a política de salários baixos em Portugal, vi hoje nas notícias. Uma vez que não posso generalizar, vou aos casos que me são próximos. Tenho amigos com 30 anos que ainda são estagiários. Tenho outros vários a recibos verdes. Os poucos com um contrato de trabalho decente trabalham que nem mulas. É esta a mão-de-obra descartável que avança a economia, que na verdade não avança coisa nenhuma.

Às vezes olho para as estatísticas e fico a pensar em como a qualidade de vida tem estagnado. Se medíssemos a qualidade com base em novas tecnologias, estaríamos num patamar muito superior, mas há muito de básico que não avança. Pior, parece recuar. A minha visão é tão mais pessimista quanto mais sou exposta à informação. É por isso que leio cada vez menos notícias e às vezes tenho reacções apáticas até ao que é positivo.

Há quem pense que os millennials são os culpados de tudo quanto é mau e há quem pense que estamos a trilhar um novo caminho, novos hábitos e mais ponderação. É tudo força das circunstâncias, estou em crer. Se tudo o que nos foi dito tivesse sido realidade, como estudar muito para ter bons empregos e seguir as pisadas das gerações passadas, desde comprar casa a constituir família, não haveria tanta startup, tanta inovação, tantas novas ideias que vieram abalar o sistema. A necessidade é aqui mãe das invenções, porque temos as costas largas para tudo quanto é culpas no cartório, mas também para arcar com crises que há muito estão em fase de incubação e com as consequências das crises todas e com um planeta em fase de declínio.

A premissa para este post veio do Blade Runner 2049, mas o que eu queria era que um dia estivéssemos mais próximos de uma sociedade como a do Star Trek. Disse certa vez o Capitão Picard, "Ultrapassámos a fome e a ganância, e já não estamos interessados na acumulação de coisas". Estamos numa fase de transição, mas um dia chegamos lá... ou perecemos a tentar. Sendo pessimista, nem vou escrever o desfecho que imagino.

Mas tenho esperança de que tudo o que de positivo há em Star Trek, e não Blade Runner que de positivo tem apenas o avanço tecnológico, seja uma profecia em vez de mera ficção.

Vanessa

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