quinta-feira, 2 de novembro de 2017

O (a)cúmulo do tsundoku

Tsundoku não me parece uma palavra muito bonita, mas está cheia de significado. É um termo japonês que não pode ser traduzido para uma palavra apenas porque cada sílaba já conta uma estória. "Tsunde" significa empilhar coisas. "Oku" significa deixar coisas num lugar por algum tempo. "Doku" significa ler. Tudo junto dá uma palavra para definir pessoas como eu: pessoas que compram e (consequentemente) acumulam livros. Por outras palavras e de forma minimalista, à boa maneira japonesa, tsundoku é o cúmulo do acúmulo literário.

No meu caso não se trata de ganância. Compro livros frequentemente e a lista daqueles por ler já vai longa, mas o meu é um caso de subestimação de tempo, ou talvez seja um síndrome de esperança aguda. Creio sempre que um dia vou conseguir ler todos os livros que compro, e até os que ainda pretendo comprar. Já aqui dizia que todos os meus livros simbolizam o que aprendi, até aqueles que ainda não li. Por isso, olho para as pilhas de lombadas como um investimento a longo-prazo que um dia poderão ser rendimento passivo.

Todo o meu acúmulo literário é no fundo potencial riqueza. Há quem coleccione pacotes de açúcar ou selos ou outras coisas mais absurdas. Eu não vejo mal nenhum em coleccionar livros, excepto que por vezes vê-los causa-me ansiedade. Transtorno. Há sempre a dúvida. Será que os vou conseguir ler todos antes de morrer? Olho para as obras que ainda estão por pegar e de certa forma confronto-me com a própria mortalidade.

Está implícito no tsundoku o acto de comprar livros, acumulá-los e não os ler. Parece-me o prefácio de uma estória de terror. Ao ter tantos livros à mão de semear estou com certeza mais perto de os ler do que se eles estivessem numa qualquer loja. Não deixa de ser angustiante não conseguir chegar a todos da forma que gostaria. Ser leitor é ter instinto para a leitura, mas também um certo sentimento de obrigação. Chega a ser imposição. Pode às vezes ser compulsão. No fundo, todos os vícios nos confrontam com a mortalidade.

O melhor é seguir os meus próprios conselhos para ler mais e melhor, os quais descrevi aqui, e esquecer o tsundoku se quero chegar ao cúmulo literário ao invés do mero acúmulo.

Vanessa

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