quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Piropo não é elogio

Se és mulher, sabes que estás sujeita à apreciação alheia mesmo que não a tenhas solicitado. Se és mulher, conheces o frio na barriga quando sentes olhares postos em ti sem a tua autorização, como se fosses mercadoria. Se és mulher, percebes o nervoso miudinho de passar por locais em obras. Se és mulher, temes os cantos escuros das ruas desertas mesmo que estejas tapada dos pés à cabeça. Se és mulher, reconheces que quanto mais deixas à vista, mais estás a pedi-las, por mais errado que seja o conceito. Se és mulher, compreendes que nem sempre um piropo é um galanteio, um gesto de apreciação, um elogio, um comentário inofensivo.

Se és mulher, é provável que já tenhas recebido um piropo algures no teu caminho. É que no mundo em que vivemos estamos constantemente num desfile e somos receptáculo de comentários apreciativos, ou nem tanto, como se fôssemos uma caixa de sugestões numa loja. Independentemente da tua postura, da tua indumentária, da tua atitude, és um objecto. Às vezes és um vaso que os outros querem criticar. Às vezes és um quadro que os outros não entendem e por isso julgam e reprovam. Às vezes és um rosto no qual querem pintar um sorriso mesmo que hoje não esteja a ser um bom dia. Às vezes és apenas a soma de todos os teus orifícios que os outros querem violar mesmo que em pensamento. Por vezes até to dizem explicitamente. Tudo depende, mas nem sempre depende de ti, porque nunca a culpa é tua, por mais sensual que seja a tua roupa.

Independentemente das vezes que te dizem que um piropo é bom sinal, não acredites. A tua beleza não tem nada que ser julgada em praça pública. A tua atitude não é para aqui chamada. O sorriso é teu. Não estás aqui para agradar a alguém. Muito menos a um desconhecido. Um piropo é sempre uma falta de respeito porque quem o atira na tua direcção acha que tem o direito de tecer comentários sobre a tua aparência. Por mais engraçado que seja o piropo, há sempre uma carga negativa associada ao facto de alguém algures ter achado que devia abrir a boca para falar de ti sem o teu consentimento só porque naquele momento partilham o mesmo espaço e o mesmo tempo. E provavelmente ainda acham que te estão a fazer um favor.

Essas pessoas acham que têm o direito. Não compreendem que nós mulheres também temos direito a andar na rua sem ser importunadas. Não compreendem que um piropo pode ser ameaçador. Não compreendem que se ignorarmos podemos ser importunadas ainda mais e que se respondermos, assentirmos ou se simplesmente sorrirmos somos convidativas. No fundo, parece não haver vitória possível para nós mulheres.

Isto foi instigado pela moça que decidiu tirar selfies com todos os homens que lhe mandaram piropos na rua para alertar para o problema. O resultado foi um monte de mulheres a contar as suas experiências, mas também um bando de homens ofendidos por nós mulheres nos sentirmos ofendidas por recebermos supostos elogios e por sermos umas ingratas e por sermos demasiado sensíveis e por não termos mais em que pensar.

Duvido muito que estes homens que acham os piropos inofensivos não tenham mães, irmãs, primas, filhas e amigas, as quais detestariam ver abordadas por desconhecidos na rua. Saberão eles que os piropos começam logo em criança e que pioram assim que as curvas começam a surgir? Saberão eles o que é andar na rua e querer desaparecer para dentro de um buraco para evitar olhares furtivos ou mesmo descarados, comentários despropositados e ordinarices? Saberão eles o que é levar com a mais leve sugestão de que a mulher é um ser inferior ao longo de toda a vida e depois dar de cara com situações em que é evidente que somos de alguma forma inferiores aos olhos dos outros, mas também inferiores fisicamente porque quem nos aborda é um matulão ou está em vantagem numérica? Duvido que saibam, mas neste caso a ignorância ou a burrice não são desculpa porque estamos no século XXI e eu nem sempre me sinto segura a andar na rua.

Vanessa

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