quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Confissão: pensava que O Projeto Blair Witch era um documentário

Em 1999 saiu um filme chamado O Projeto Blair Witch (The Blair Witch Project). Foi há 17 anos. Eu tinha 13 anos. O que soube do filme foi através do que li na internet, no computador da biblioteca, e do que li em revistas juvenis. O filme teve uma campanha de marketing que enfatizava uma suposta base real da estória.

Os criadores do filme, Daniel Myrick and Eduardo Sánchez, pegaram no conceito found footage (filmes em que as próprias personagens filmam os acontecimentos, por alguma razão; neste caso, para fazer um documentário) iniciado pelo controverso Cannibal Holocaust, de 1980, e popularizaram esse conceito. Mas houve mais.

Daniel Myrick and Eduardo Sánchez tiveram a brilhante ideia de fazer crer que aquilo que agora sabemos ser um filme era uma colectânea de vídeos encontrados no local onde as três pessoas que o filmaram tinham desaparecido e criaram um site com a informação dos supostos desaparecidos, com detalhes sobre o local, alegadamente assombrado por uma bruxa. O nome real dos actores até foi usado no filme. 

O site relata os factos como se tivessem mesmo acontecido, com fotos e informações divulgadas pelas "autoridades". A família da actriz principal chegou a receber condolências pela sua suposta morte. Lembrem-se que foi mais ou menos nesta altura que muita gente acreditou que andavam aí pessoas a criar gatos bebés em jarros (Bonsai Kitten) para que ficassem com formas estranhas, tudo por causa de um site.

Os criadores de Cannibal Holocaust chegaram a ser processados porque houve quem tivesse pensado que se tinham mesmo morto pessoas em frente às câmaras para fazer o filme. Com O Projeto Blair Witch não se sabia ao certo em que acreditar. A campanha de marketing foi inovadora e levou muitos espectadores às salas de cinema. Eu incluída. Eu pensava que ia ver um documentário a sério. O filme assombrou-me.

Só quando aluguei o DVD, anos depois, e vi os extras é que me apercebi que afinal era ficção. Antes disso tinha comprado um livro que falava dos acontecimentos como se tivessem sido verídicos. Mas ao ver os criadores a montar o cenário e a falar sobre os detalhes, senti-me estúpida e ao mesmo tempo fiquei fascinada.

O filme continua a ser para mim um clássico. Por mais sátiras que façam, o filme é mil vezes melhor do que muitos dos filmes de terror que têm saído. Agora é fácil fazer piadas sobre o filme, porque podemos vê-lo com as luzes ligadas enquanto estamos ao telemóvel. Experimentem ver o filme no escuro do cinema, com o som alto, enquanto acreditam que estão a ver um documentário de pessoas que passaram mesmo por tudo aquilo.

O Projeto Blair Witch nem sequer mostra a bruxa. Não se vê quase nada. Quase não há sangue. Quase não há sustos daqueles que nos fazem saltar da cadeira, que os realizadores modernos tão generosamente gostam de oferecer. Ainda assim, a construção do enredo, o desenvolvimento das personagens no ecrã, a afeição que se cria por elas e depois o desenrolar das cenas assustadoras criam um ambiente irrepetível.

Hoje em dia abusa-se dos "factos reais" e das "histórias verídicas" quando na verdade apenas um ou outro pormenor aconteceu. Há poucos filmes como o O Projeto Blair Witch. Os últimos que me fizeram sentir de forma semelhante foram o [Rec] ou o Actividade Paranormal (Paranormal Activity). São filmes de orçamentos considerados baixos para os padrões modernos, mas que fizeram uso da criatividade e da própria imaginação da audiência para assombrar e criar pesadelos, mas também gerar milhões de dólares.

Todos eles foram criados por realizadores e escritores e produtores que percebem que não há nada de mais assustador do que aquilo que a audiência não consegue ver, mas apenas ouvir ao de leve ou adivinhar pelas expressões assustadas dos actores ou ver apenas através do reflexo nos seus olhos.

Que um canto escuro ou um vulto pelo canto do olho são pesadelo maior do que uma criatura feia gerada por um computador. Que os sustos instantâneos, aqueles originados num gato que aparece de repente e/ou um som a decibéis indesejados, surpreendem, sim, mas não criam terror verdadeiro e não nos fazem levar o filme connosco para casa e pensar nele antes de ir dormir ou quando vemos sombras na parede. 

Que a antecipação desenvolvida pelo suspense e pela atmosfera carregada, que faz suar as palmas das mãos e que encolhe o estômago, que faz temer o que pode surgir, é o verdadeiro clímax de um filme de terror. Eu não quero ver um filme de terror para saltar da cadeira porque alguma coisa apareceu no ecrã e o som quase rebentou os meus tímpanos. Quero filmes de terror que me assombrem a imaginação.

Quero mais filmes que me façam acreditar que são documentários.

Vanessa

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