sexta-feira, 1 de abril de 2016

E os mendigos?

Por incrível que pareça, não vi muitos. Quero dizer, não vi tantos quanto pensava que ia ver. Quanto aos que vi, foi aquilo que já esperava. Já tinha lido vários artigos sobre aluguer de crianças, por exemplo, para ajudar à generosidade dos samaritanos. Parece que é um negócio obscuro, mas que continua. 

Uma vez, em Margão, uma rapariga com três miúdos pequenos e muito sujos veio pedir junto de nós. Os mendigos fazem normalmente um gesto que leva a mão, com os dedos unidos, à boca para indicar que precisam de dinheiro para comer. Ela fez o gesto, mas não nos convenceu. 

Quero dizer, convenceu-me um bocadinho, claro, por causa das crianças, mas acabei por não dar nada.

Uma das crianças ficou ao meu lado enquanto a senhora ficou parada à nossa frente a ver se mudávamos de ideias. Nisto a criança transforma-se momentaneamente em estátua, como fazem as crianças quando são surpreendidas por uma necessidade biológica, e começa a fazer xixi ali mesmo.

O líquido amarelo escorreu pelas pernas descobertas e criou uma poça mesmo ao meu lado.

Depois foram embora e eu fiquei a vê-los afastarem-se.

Não sei se haverá aqui uma moral ou uma metáfora. 

Deverei eu passar a dar qualquer coisa aos mendigos? Será que faço mal em não dar? Será que se não der, mais necessidades biológicas virão parar ao meu caminho e criar uma poça mesmo ao meu lado?

Há outros tipos de mendigos, desde os cegos que fazem das suas latinhas de peditório tambores para as suas vozes melodiosas aos homens sem pernas que se arrastam pelo chão aos velhos de aspecto louco e longas barbas aos de aspecto normal a quem apenas parece faltar um banho de esfregão.

Nunca sei se devo dar alguma coisa. Não sei se dar alguma coisa é ajudar. Não sei se há alguma hierarquia no negócio destes peditórios e o dinheiro vai parar a algum chulo ou se a falta de dinheiro torna violento o hipotético chulo e acaba em tragédia a vida dos pedintes. São as mesmas dúvidas que tenho em Portugal.

Sou desconfiada em relação à caridade.

Mas já vi mendigos aqui, sim. Obrigado aos que perguntaram e têm perguntado. Deixam-me sempre aqui inquieta, com estas questões, e fazem-me remexer o cérebro em busca de consolo.

Vanessa

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