Abusos laborais sempre existiram. Afinal de contas, as empresas não ganharam tão má fama geral por acaso. Penso que seria interessante perceber como começou esta tendência de considerar o salário um privilégio e o ordenado mínimo a fasquia primordial e o ganho de experiência o ponto de partida para abusos.
Desde que foram divulgados casos de estagiários contratados através do programa de estágios profissionais do Instituto do Emprego e da Formação Profissional que foram convencidos a devolver ao patrão parte do seu salário que tenho pensado cada vez mais que a culpa é muito de quem se sujeita.
Já me tinha ocorrido, claro. Não existiriam constantemente anúncios de "emprego" abusivos se não existisse quem se sujeitasse. Há vagas que aparecem com tanta frequência nos sites de emprego que me levam a crer que há ali uma rotação incrível de pessoas que trabalham a troco apenas de experiência.
A desigualdade que situações destas geram é absurda. Quem tem condições para aceitar trabalhar sem ter condições desce a fasquia de todos. As implicações deste contexto geram casos como os daqueles que devolveram parte do seu salário debaixo da mesa, anúncios de emprego ridículos, como os de empresas que requerem estagiários em postos de responsabilidade, incluindo em cargos como o de CEO, e a ideia de que receber pagamento a troco de trabalho é secundário ou de que o horário pós-laboral é negociável.
Concordo com a existência de estágios curriculares se forem em contexto académico, como o meu foi, ou com estágios profissionais que incitem à posterior contratação dos estagiários. O que se vê de forma geral não é isso. O que se vê é que as empresas têm nos estágios uma forma de escape à responsabilidade.
Parte de nós não aceitar, mas aposto que sempre que pensamos em reivindicar direitos nos lembramos de que existem centenas de outras pessoas que aceitariam as mesmas ou piores condições. É esse o problema. Há sempre quem concorde com abusos, até porque mesmo os meios oficiais os permitem.
Como sempre ouvi dizer, o barato sai caro. As consequências são visíveis nas estatísticas da emigração, da qualidade de vida, do poder de compra, do índice de felicidade. Este último em especial. Há muitas outras nuances em tudo isso. Se recorrermos à história e observarmos os anos antes da queda de muitos impérios aparentemente prósperos vemos uma assustadora semelhança entre essas tragédias e a nossa sociedade. Primeira semelhança: ninguém tem tempo ou disposição para aprender com os erros dos antepassados.
Vanessa