Se há coisa que sei fazer é preencher formulários. Nos procedimentos concursais o preenchimento correcto é logo factor de exclusão na primeira fase, porque basta uma pessoa não assinar as páginas do currículo anexo (ou esquecer-se de anexar o currículo e certificado de habilitações como aconteceu a alguns candidatos) para ser desclassificada. Recentemente candidatei-me a uma vaga para a junta de freguesia e cheguei à conclusão que mais valia nem sequer saber preencher o formulário. Ao menos não prolongava a ténue esperança de conseguir ser um dos sete cães a sacar o osso. Neste caso devíamos ser uma centena e picos para dois míseros ossos.
Mas uma pessoa pensa naquela máxima do tentar não custa. Só que no caso dos procedimentos concursais, só a impressão da legislação para a prova de conhecimentos, segunda fase do processo, chega a passar a barreira dos 20 euros, e isto se encontrarmos uma daquelas lojas que imprimem a granel. Depois há também o tempo precioso que se perde, o nervoso miudinho que invariavelmente dá cabo da rotina de uma pessoa, e no meu caso, voltar a entrar numa escola onde já fui tão feliz na minha ingenuidade, desta vez com três décadas de existência, e sentir-me idosa, burrinha e estrangeira onde em tempos me senti jovem, inteligente e em casa.
Vi os candidatos do turno anterior da prova saírem confiantes e sorridentes. Alguns dos colegas do meu turno tiveram a sorte de aceder a comentários em primeira-mão sobre o exame e eu não fiz orelhas moucas, porque acredito na igualdade de oportunidades. Mas nenhum dos comentários foi útil.
A prova de conhecimentos pode ser com consulta e ter questões de escolha múltipla, mas isso não facilita de todo o processo no meu caso. A sala escolhida não tinha mesas, mas sim cadeiras com uma pequena tábua que mal dava para meia página. A legislação ficou no colo. Uma resma de papel no colo a ser constantemente manipulada é obra. Quem fez a prova achou por bem misturar os decretos-lei e colocar as questões salteadas, e para isso dava mesmo jeito ter uma mesa, para ter aquilo tudo espalhado e à mão.
Há muito tempo que não me sentia tão desadequada. Apesar de ter lido por alto os temas, 60 minutos são escassos para chegar a todas as palavras-chave e sacar dos decretos a informação necessária. Desconfio que havia uma ou duas perguntas com rasteira, mas não me posso queixar. A prova de conhecimentos não era difícil. Eu é que não tenho habilidade para estas andanças. Convenhamos. Se eu quisesse estudar as leis e argumentar com base nelas tinha ido para direito. Fui para essa área? Não, porque tenho noção do que sou capaz de fazer.
A escolha múltipla até pode parecer uma facilidade. Neste caso, cada resposta errada descontava meio valor, por isso mais valia deixar em branco em caso de dúvida e não responder ao calhas para ver se dá sorte. Zero é melhor do que números negativos. Foi o que aconteceu em algumas questões. Não consegui encontrar as respostas na resma de papel e o tempo estava a esgotar-se. Ainda respondi a duas ao calhas, seguindo o instinto e o senso comum, mas não me parece que algumas das leis se baseiem em senso comum.
As duas perguntas de desenvolvimento eram afirmações às quais me apeteceu responder apenas com um: "Está bem". Numa consegui argumentar porque encontrei a frase num decreto-lei. Basicamente senti que tinha repetido a pergunta quase toda, mas com um contexto legal. A outra pergunta dizia que a junta de freguesia tinha recebido um auto policial porque o dono de um cão o estava a passear sem trela. Aí optei por citar um decreto-lei sobre as competências da autarquia no que respeita aos animais. Quando encontrei um outro mais específico que referia o uso da trela e o estava a rascunhar, o tempo terminou.
Precisava de mais 30 minutos e ficava tudo preenchido e com mais nexo. Nem tive tempo de usar a folha de rascunho. Para relembrar ainda mais os tempos de escola, enquanto arrumava as coisas fiquei a ouvir os comentários de pessoas que se conheciam, e cheguei à conclusão de que devo ter feito tudo mal. Que saudades tinha eu destes momentos no final dos exames, onde me apercebia de que tinha argumentado com base numa parte errada da matéria e que nem o esforço me ia valer de coisa alguma ou que tinha percebido mal uma questão, e daquele sentimento de o estômago se fundar um bocadinho dentro de mim.
Depois de qualquer tipo de actividade que implique estudo fico também a questionar-me sobre a minha capacidade mental actual, que com certeza não é a mesma de quando frequentava a escolaridade mínima. Mas já na altura era assim. A diferença é que era mais fácil estudar quando só tinha isso para fazer.
Ou isso, ou alguns neurónios ficaram pelo caminho quando entrei no mercado de trabalho.
Esta foi a minha segunda experiência num procedimento concursal, que a meu ver está já terminada, porque no melhor dos casos, contando com os descontos das erradas, fico ali com um 9. Mas o que sei eu sobre isto? Contas e leis não são comigo. Espero encontrar outra vaga nos próximos tempos para poder usar novamente esta resma de papel que na verdade merecia ser de imediato reciclada em papel higiénico.
Vanessa
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