Já não tenho idade para fazer o Cartão Jovem. É assim que a dura realidade às vezes nos acorda para a vida, ou neste caso para a pergunta: para onde foi? O tempo, claro. A juventude, parte dela. Sempre senti que tenho de ser simultaneamente adulta, desde quando não era, e que ao mesmo tempo não tenho direito de crescer como deve ser. Acho que sou uma planta num vaso muito pequeno a tentar sair, com pernas que não tenho, para um jardim. Claramente algo mudou, que eu não costumava criar metáforas tão parvinhas, nem os meus parágrafos costumavam ser tão compridos, nem eu tinha tanta disponibilidade ou vontade para ser sincera.
Hoje é o dia daquela última cena do último filme do Harry Potter. Quando fui ver o filme senti que estava deslocada, porque era só miúdos naquela sala de cinema, e que tinha terminado ali o meu direito de ser jovem. A última cena passava-se a 1 de Setembro de 2017. Hoje. O filme saiu há seis anos. Em seis anos continuo no impasse entre ser jovem e ser adulta. Não me importa o limbo, excepto o facto de ele me lembrar uma idade que sinto que não tenho ou que não devia ter pelo muito que há ainda por fazer. Talvez nos próximos 30.
Recuperei o hábito de escrever cartas. Na verdade, nunca se perdeu. Tem fases. Voltei a ter contacto com uma amiga por correspondência com quem não falava há cinco anos. Ela mandou-me fotos do casamento. Em cinco anos casou, teve um filho, abriu um negócio e está a pensar fazer cerveja artesanal. Ah, e começou finalmente a escrever e já tem 50 mil palavras de um possível livro. Olha, obrigadinho. Olho para os meus últimos cinco anos e agora não sei o que lhe escrever de volta. Há cinco anos ainda era jornalista, já o pavio a queimar no fim dessa vela. Nestes cinco anos que passaram num ápice deixei de ser uma coisa e passei a ser outra.
Mas olha, ainda sou uma pessoa, ainda sou jovem, ainda escrevo cartas, ainda gosto do Harry Potter, ainda escrevo em metáforas, ainda quero fazer o Cartão Jovem, mas já não posso, ainda tenho em mim um lado infantil, ainda acho que um dia vou escrever a sério e ter mais de 50 mil palavras, gosto mais de cerveja artesanal do que da generalista, ainda sou adulta mas com um lado infantil, ainda estou a tentar sair do vaso, e pode ser que não consiga preencher as mesmas 10 páginas A5 para mandar uma carta de volta à que ela enviou do outro lado do Atlântico para esta ponta da Europa, até porque acho que com sonhos e divagações conseguia na boa 50 mil palavras, só tenho é de saber quantas páginas isso dá e depois quantos selos são precisos.
Desculpa a caligrafia. As minhas mãos já só sabem usar o teclado.
Vanessa
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