terça-feira, 3 de abril de 2018

Vi Ready Player One e já me esqueci, vi Annihilation e adorei

O mais recente filme de Steven Spielberg, Ready Player One, não me convenceu com o seu ímpeto de futuro revivalista. Assim que começou, capturou com a música. Assim que a narração começou, perdeu-me. Narração num filme é para mim preguiça. São poucos os filmes em que perdoo a narração. Se eu quisesse narração ouvia um livro em áudio, não ia ver um filme. Por outro lado, quando é a personagem principal que está a narrar tem de haver um propósito. O propósito, no entanto, perde-se em grande parte porque se a personagem está a narrar é porque sobreviveu. Por isso, narração é um mini spoiler. Não me vou alongar com a crítica nem com o meu snobismo em relação ao filme, porque o filme ganhou no que toca ao entretenimento.

Resumidamente, o filme passa-se num futuro credível onde parte das nossas vidas passa-se numa realidade virtual, o OÁSIS, mas continuamos escravos de corporações, do sistema, da tecnologia, e continuamos humanos escravos, mas agora com entretenimento em alta definição. Só que o criador do OÁSIS deixou uma competição que pode democratizar o sistema. O maguffin consiste em três chaves que qualquer jogador pode encontrar e que levam a um desafio final onde o vencedor ganha controlo do OÁSIS. Pelo caminho há músicas, referências a jogos, livros, até cenas de filmes que fazem as delícias dos fãs do cultura pop dos anos 80 e 90.

Só que uma estória não se faz de easter eggs (nem mesmo no domingo de Páscoa), de alusões a obras-primas (que até são melhores do que a obra que as referencia), ou de efeitos especiais espectaculares, especialmente vistos num ecrã IMAX 3D. O filme deu para rir, para congregar a nostalgia revivalista no escuro do cinema, ponderar um futuro nada risonho, mas pouco mais. Para a semana não me vou lembrar do filme. Não vou questionar metáforas. Não vou recordar nomes de personagens. Mais depressa vou querer reviver os filmes, os livros e os jogos que Ready Player One usa para avançar o enredo do que a própria película.

Na outra face da moeda está Annihilation, um filme que a Paramount decidiu ser demasiado inteligente para as massas (parafraseando) e que a Netflix foi responsável por democratizar. Vi o filme antes de Ready Player One e continuo a pensar nele. Ambos os filmes me fazem querer ler os livros, mas sei que com Annihilation a experiência vai ser diferente. O conteúdo do filme é multifacetado, de tal forma que ainda o estou a processar e em breve escreverei sobre ele. Para já, é o meu filme preferido do ano. Viva a complexidade.

Em jeito de resumo, em Annihilation Alex Garland, escritor de outro filme que se tornou um preferido meu, Ex-Machina, transpôs em película o primeiro livro da trilogia de Jeff VanderMeer, Southern Reach Trilogy, onde a bióloga Lena se junta a uma missão para explorar uma área secreta onde uma aterragem alienígena provocou um microclima chamado Shimmer. O enredo é intrigante e vai satisfazendo a curiosidade, mas nunca de forma 100% satisfatória. É no fundo um mistério, além de ser um filme de ficção científica. E nunca o filme me desapontou ao longo dos três actos, nem em termos de efeitos visuais, nem em termos de estória.

Tive pena que o filme não tivesse merecido, aos olhos dos big bosses do cinema, um lugar nas salas de cinema, cujos cartazes neste momento me parecem bem deprimentes. Às vezes uma pessoa precisa de mais do que explosões e música e frases feitas. Às vezes o escuro do cinema também é bom para questões complexas.

Ready Player One: 0.
Annihilation: 1.

Vanessa

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