segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Medições

Conheci em Goa uma senhora com idade para ser minha mãe que lia muito, mas que considerou o facto de eu ler tanto como um desperdício da minha juventude. Não aprofundei a questão, por isso presumi que se estaria a referir ao tempo passado a ler em vez de fazer outras coisas, mas pode ser também considerado desperdício em relação à sabedoria que me falta para compreender certas obras literárias ou à perda de oportunidades por se escolher a leitura versus outras actividades. Não quis aprofundar a questão porque não gosto geralmente de debater os meus hábitos com outras pessoas e porque não gosto que me ofereçam argumentos até legítimos que invalidem hábitos que tenho e que me são queridos e que até me melhoram enquanto pessoa.

Ninguém parece falar no assunto no que toca a séries de ficção ou filmes, e isso até considero (um pouco, não muito) desperdício de tempo, apesar de desfrutar desses passatempos. Mas os livros são um à-parte. O que se ganha com a leitura enriquece o tempo supostamente desperdiçado e mesmo que aparentemente nada se ganhe, porque compreendemos apenas parcialmente o lido ou nada de todo, trabalhamos aspectos da vida que estão em vias de extinção como a paciência, ou outros que são amplamente valorizados hoje em dia, como a resiliência e a persistência. Por isso a meu ver, nada se perde, na verdade, e muito se ganha.

Já estou numa idade em que dá para olhar para o passado e perder tempo a analisar coisas que não posso mudar, como o tempo que desperdicei em coisas fúteis, inclusivamente mas não exclusivamente: desgostos, invejas, comparações, memórias, e actividades mundanas como ver televisão e perder-me no computador. Nunca olhei para trás e me arrependi de ter lido, nem mesmo dos livros de que não gostei ou dos quais não me lembro. A leitura é o único aspecto da minha vida que está livre de arrependimentos. Tendo em conta de que até de nascer já me arrependi, e é coisa que por vezes me saltou à consciência nos pontos mais baixos da vida, o facto de haver algo que nunca me causou nem remorso nem pesar nem stress nem angústia, excepto quando o escritor é tão bom que nos faz viver o que vivem personagens, é digno de respeito.

Se eu tivesse de medir, diria que a leitura é tão imensurável quanto o valor que nos traz, tal como um pôr do sol ou um luar, e que em vez de um desperdício, é antes insuficiência permanente, rendimento passivo infinito, retorno sem riscos sobre o investimento. Nota-se que tenho feito muitos trabalhos ultimamente na área dos negócios? Para o que havia de me dar. É do calor. Talvez seja também do livro que estou a ler.

Vanessa

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