segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Sobre as minhas recentes leituras

Tenho lido muito sobre o futuro, mas de livros escritos ainda no século 20, de uma colecção intitulada Vintage Futuro da editora Penguin. Não sei o que me deu, mas começou com The Handmaid's Tale e prosseguiu a partir daí. Também foi a partir dos 30 que me deu para ler ficção científica com mais afinco, coisa que até aí era um passatempo irregular, fugaz, e conforme o que estivesse em promoção. O que mais gosto nesses livros é o lado filosófico. Fala-se de tecnologia, de coisas que já estão em uso agora, mas de forma a ponderar sobre o ser humano. Li Dune, que decorre uns 10 mil anos no futuro, e outros em que a linha cronológica é vaga, e em todos eles o ser humano evoluiu de várias formas, mas no fundo permaneceu como eu o conheço.

Em todos os livros encontro questões familiares, desafios conhecidos, perguntas que nos assombram deste sempre, conflitos iguais aos de agora, e previsões que não parecem tão aquém da realidade. Em 1984 o Big Brother, em Brave New World a droga e a promiscuidade o sistema de produção de pessoas, em We ainda não sei bem o quê mas suspeito ser na linha da promiscuidade. Nos três um estado totalitário. Em outros livros menos conhecidos como distopias outros aspectos do futuro. Em Lock In seres humanos que vivem através de máquinas. Em Next mutações genéticas e biotecnologia. E nisto tudo os humanos, sempre com os seus problemas egocêntricos, as suas ânsias, a sua ambição. E nisto tudo, a questão mais importante: liberdade.

Todos os livros sobre o futuro que tenho lido remetem para a necessidade de controlo da liberdade e para um colectivo uníssono. Os protagonistas entram em conflito com a realidade por uma razão ou outra e põem em causa um sistema. Mas nisto, apercebo-me de que o sistema actual é tão bom ou tão mau que dou por mim a ler estes livros de liberdades confiscadas, individualidade espezinhada, até um certo retrocesso, e questiono-me: será assim tão mau viver nesta realidade? E é assim que me dou conta de que o mundo agora está do avesso, porque se calhar o preço da liberdade é a harmonia colectiva. E é assustador pensar assim.

Foi como quando vi o programa de Anthony Bourdain, Parts Unknown, em Singapura. Foi o primeiro episódio da temporada 10. O programa mostrou um país ultra-moderno, ultra sofisticado, com câmaras de vídeo-vigilância e proibições extremas (mastigar pastilha elástica na rua é ilegal), um toque de Big Brother e internet monitorizada, mas onde abundam casinos e bares, onde a prostituição é legal, onde aparentemente as pessoas vivem felizes, as ruas são limpas, as estradas amplas e bem mantidas. Tudo isto num sistema uni-partidário. Uma utopia, disse Bourdain. Disse ainda, "Ao assegurar que os seus cidadãos estão seguros, alojados, saudáveis, e na maioria economicamente bem-sucedidos, o governo de Singapura tem sido eficaz a manter as massas aplacadas o suficiente, dispostas a aceitar restrições à sua liberdade e liberdades cívicas". E eu vi o programa e pensei: será assim tão mau viver nesta realidade? E é assim que me dou conta de que o mundo agora está do avesso, porque a harmonia colectiva parece uma utopia tal que chego a questionar esta liberdade que temos e valorizamos.

Em alguns dos livros que tenho lido somos considerados selvagens, seres ancestrais que não faziam ideia da porcaria que estavam a fazer, que não sabiam como manter todos os humanos alimentados e contentados. Uns bárbaros. As questões minuciosas ultrapassadas, requintes disponíveis para todos. Satisfação quase total. Liberdade nenhuma. Mas tecnologia, uma vivência sustentável, um planeta próspero, harmonia e equilíbrio, mas sem paixão. Seríamos nós capazes de abdicar da liberdade pessoal e da paixão individual em prol da felicidade colectiva? No fundo: temos mesmo de escolher, ou seremos capazes de no futuro termos tudo?

Vanessa

1 comentário:

belinha fernandes disse...

Excelente apreciação que gostei muito de ler. Por acaso, a ficção científica não nunca me atraiu muito na literatura, prefiro outras áreas, mas li os seus títulos clássicos. Prefiro ver as adaptações ao cinema.