Os episódios originais da série Twilight Zone ou Quinta Dimensão, em português, são um fascínio para mim. Penso que tenha que ver com o facto de serem a preto e branco ou com a crueldade das estórias.
Como leitora assídua que sou, um dos meus episódios preferidos é o Time Enough At Last, que retrata um dos meus piores pesadelos. Percebo aí o paradoxo. Na verdade é uma relação de amor-ódio.
Apesar de ser o atormentado leitor Henry Bemis o protagonista, foi uma autora, Marilyn Venable, que criou o conto que se tornou um clássico da série. Uma autêntica pioneira no mundo masculino da ficção científica.
Marilyn Venable lucrou apenas 500 dólares com o contributo. Nos anos 50 do século passado ainda era uma fortuna. Mais importante do que o lucro, Marilyn ofereceu pesadelos a pessoas impressionáveis como eu.
Cuidado com os spoilers adiante (ainda não inventaram um termo em português para spoiler, mas digamos que é um arruinar de surpresas, tipo divulgar o final e acabar com o suspense de uma estória).
Então, Henry Bemis é um homem muito míope, com uns óculos de lentes muito grossas, que adora ler e que é casado com uma mulher que abomina a leitura. Má escolha, colega leitor, muito má escolha.
Ainda assim Henry Bemis tenta ler sempre que possível, o que o leva a tomar medidas tão drásticas quanto ler rótulos ou desfrutar de livros durante as horas de trabalho enquanto funcionário de um banco.
O patrão chama-o à atenção devido ao seu hábito. A mulher não o deixa ler e até lhe estraga um livro.
Mas Henry Bemis não consegue evitar o vício. À hora de almoço decide enfiar-se dentro de um cofre do banco para poder ler à vontade. As gordas do seu jornal descrevem uma bomba capaz de uma destruição total.
Ouve-se uma explosão e quando Henry Bemis sai do cofre está tudo em ruínas. Toda a gente morreu. Mas há comida que se farta e muito tempo livre. O homem não sabe o que fazer e fica atormentado.
Justamente quando contempla a possibilidade de se suicidar, já com uma arma apontada à cabeça, repara que está em frente ao que foi em tempos uma biblioteca. Muitos livros sobreviveram.
Se não conhecem a expressão "não cabe em si de contente" vejam este episódio. É o oitavo. Pois que Henry Bemis não cabe realmente em si de tão contente que fica com a descoberta.
Todo o tempo do mundo, solidão e livros. Imaginem tal coisa. Como não podia deixar de ser, nada acaba bem na Quinta Dimensão. O entusiasmo tornou-o desajeitado e nisto Henry Bemis parte os óculos.
Não é o melhor enredo de S-E-M-P-R-E?
Calculo que hoje em dia o pathos seria outro. Se fizessem um equivalente mais moderno da estória, que representasse também um cenário pós-apocalíptico, Henry Bemis encontraria um único e-book (leitor digital de livros), mas depois não teria onde carregar a bateria. Dedicatória: da Vanessa, para todos aqueles que insistem em recomendar que eu compre um desses aparelhos em vez de continuar a comprar livros.
Pode não parecer, mas Time Enough At Last (qualquer coisa como Finalmente Tempo Suficiente) dá pano para mangas. A mim deu. Vou continuar a escrever, mesmo sabendo que ninguém vai chegar aqui na leitura.
Primeiro: no advento dos conteúdos televisivos, esta estória é uma alegoria perfeita. O hábito do protagonista e a constante crítica por parte dos que lhe são próximos retrata o papel dos livros na sociedade. É quase como se a ficção ditasse o seu próprio destino: vai chegar um dia em que ler será mal visto ou menosprezado em detrimento de outras formas de entretenimento ou trabalho; a intelectualidade tem os dias contados.
Segundo: cuidado com aquilo que desejas ou como nem sempre o que sonhamos é exequível. Se não fossem os momentos maus, não conseguiríamos apreciar os bons, a natureza é feita de equilíbrio e insiram aqui as metáforas que desejarem. É bom sonhar, mas em termos práticos, a nossa presença e interacção podem influenciar o desfecho mesmo no cenário mais apetecível. Cuidado com as ilusões.
Terceiro: o homem sozinho não pode ser feliz. Ser anti-social traz maus resultados. A sociedade é necessária. Sozinho chega-se mais rápido, mas acompanhado chega-se mais longe. Não sei quem é o autor porque nisso a internet não é de se fiar, mas a ideia é profunda e fica retratada no cruel destino de Henry Bemis.
Para mim, a quinta dimensão é mesmo isto. É um espaço e um tempo onde tudo pode ser acontecer e tudo pode ser interpretado, mas nem sempre percebido. Se não estiver por aqui, é porque estou lá.
Vanessa