terça-feira, 10 de julho de 2018

A vida é um armário cheio de caixas de plástico

Um dia somos jovens. No dia seguinte temos um armário cheio de caixas de plástico (que nem são da marca Tupperware, mas assim as chamamos) com tampas desemparelhadas, tudo muito mal empilhado e sem nexo ali dentro, a ponto de um dia poder cair-nos em cima qual avalanche. Eu tinha aqui uma metáfora qualquer prestes a desabrochar, mas ficou-se pelos primórdios. A vida é um armário cheio de caixas de plástico com tampas desemparelhadas? Envelhecer é acumular caixas de plástico no armário?

Assim tem estado o meu cérebro, a não conseguir unir os pontos. Pensei que fazer smoothies ajudasse, e eu até lá meto espinafres e alface e outros legumes, mas não resulta. É como se todos os meus pensamentos fosse caixas de plástico sem tampa ou tampas sem caixas de plástico correspondentes. Pronto, está aqui uma metáfora mal amanhada. Estive demasiado tempo sem escrever e a minha criatividade ficou enferrujada.

Não leio livros há uns dois meses. Tenho sempre períodos assim ao longo do ano. Leio menos, vejo menos filmes e séries, menos ficção no geral, mas mais documentários e vídeos aleatórios. Dedico-me a ver como estão as coisas no mundo, o que há de novo, a porcaria toda que já fizemos, o que já destruímos para sempre, o que ainda podemos fazer. Comecei a reciclar com mais afinco. Criei mais espaço para não ser preenchido. Tenho mais uma gaveta vazia. No total são três. Um dia serão mais, até não precisar de um armário inteiro.

No interregno da escrita a minha família viajou e tive a casa só para mim. Não consegui aproveitar como queria porque outras coisas surgiram, mas o tempo e o silêncio foram como estar de férias enquanto toda a gente está a trabalhar. E até trabalhar me soube a férias. Certos dias esquecia-me de que não tinha usado a voz o dia todo, e por isso quando a usava parecia um adolescente a entrar na puberdade. A porta do meu quarto permaneceu aberta. Toda a gente se queixava de ser inverno, mas eu desfrutei de bebidas quentes e silêncio a ver a chuva cair. Fiz todas aquelas coisas que pensamos fazer quando um dia tivermos uma casa só para nós.

Nisto tudo, fui pesquisar por curiosidade para saber se seria possível ter uma casa só para mim e apercebi-me de que no máximo podia ter uma despensa e mesmo assim isso já era sonhar alto. Isto devia chamar-se síndrome de adolescência retardada. Por isso, e para não pensar muito nessas coisas, aproveitei o pouco tempo de casa vazia enquanto pude, fiz tudo o que se faz numa casa vazia quando se tem a oportunidade, e depois fiz um daqueles exercícios de gratidão por ao menos poder ter um tecto, mesmo que não meu. 

Depois toda a gente chegou e a rotina prosseguiu. O frigorífico está cheio. O silêncio é agora som nos fones para abafar o mundo. E temos mais caixas de plástico no armário. Tudo muito mal empilhado e sem nexo ali dentro, a ponto de um dia poder cair-nos em cima qual avalanche.


Vanessa

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