quinta-feira, 5 de outubro de 2017

As idades dos porquês e dos comos

A tecnologia trouxe um fenómeno muito interessante: o regresso à idade dos porquês... dos pais. Os meus pais não são nada info-excluídos. Já foram, mas já tiveram de se render às tecnologias a pouco e pouco. Só que como chegaram mais tarde à festa, ainda têm questões, muitas das quais nunca sequer me ocorreram, e precisam de conceitos, coisa em que nunca me foi preciso focar porque a minha geração e principalmente as que se seguiram simplesmente começaram a utilizar as coisas e pronto e é a utilizar que se aprende, neste caso.

Foi por causa dos trabalhos da escola que aprendi a usar o Word. Com papel e caneta era preciso habilidade para a caligrafia. No Word bastava carregar em botões para ficar tudo bem formatado. Não havia cá corrector, daqueles brancos que implicavam engenho para não ficarem com muito relevo e engolirem a ponta da esferográfica, ou marcas de tinta que passavam de uma folha para a outra ou palavras esborratadas, a não ser que o papel fosse de má qualidade e eu pusesse lá as mãos logo após o produto final sair da impressora.

Depois com a internet foi preciso aprender a pesquisar, a saber esconder o copy/paste com trocas engenhosas de palavras, a contactar os amigos nas horas vagas para combinar sessões de estudo e trabalhos de grupo que não passavam de pretexto para o convívio. Depois veio a época de deslumbramento com os fóruns de discussão, com os jogos, com os vídeos, com coisas proibidas que estavam de repente acessíveis.

Tudo isto implicou que fossemos autodidactas e foi alimentado pela curiosidade natural da infância e da adolescência. A curiosidade é coisa que se perde ou que se desvanece se não for trabalhada. Também implica tempo e dedicação, coisa que na idade adulta, agora sei, não abunda. Não percebo o que mais pode justificar a aparente facilidade para aprender a usar um computador ou um telemóvel que eu tenho em relação aos meus pais. Haverá alguma diferença nos nossos cérebros ou na nossa capacidade corporal? Duvido muito.

Mas agora com ambos a usar o computador e a minha mãe finalmente a usar um smartphone, surgem questões que nunca sequer me ocorreram ou dúvidas que esclareço simplesmente por experimentar. Eu não sei como funcionam todos os aparelhos do mundo, mas pego num e experimento. Às vezes demoro a encontrar o que quero. Às vezes tenho de usar a internet para chegar lá. Mas no processo aprendo sempre alguma coisa.

Eu não cresci com tecnologias. Havia a televisão, mas depois houve os livros. Só na escola secundária é que comecei a utilizar a internet. No meu caso, o uso de tecnologia foi sempre intercalado com coisas analógicas. Até agora continuo a usar dicionários em papel. Ainda hoje em dia tomo notas com papel e caneta. Às vezes escrevo primeiro num papel aquilo que depois é teclado. Sou capaz de ouvir um audiobook enquanto pinto ou prego botões. Mas depois uso a calculadora do telemóvel ou do computador. Também deixo coisas anotadas em rascunhos no blogue ou no email. Recorro a vídeos de receitas quando cozinho.

A tecnologia embrenha-se no quotidiano, se a deixarmos, e isso é uma coisa boa. A tecnologia foi criada para nos facilitar a vida, libertar tempo para outras actividades, tornar o homem num super-homem. Esta idade dos porquês dos meus pais e de todos os adultos que passaram a maior parte da vida num mundo maioritariamente analógico faz parte do processo deles e é um passo para a sua adaptação ao mundo digital.

Depois da idade dos porquês deles vem a idade dos comos. Às vezes é tudo junto. Como e por quê fazer isto, como e por quê fazer aquilo, por quê e como, por quê e como. Agora sei como se sentiram quando eu fazia perguntas sobre tudo na fase infantil. Reverteram-se os papéis, mudou o tipo de dúvida. Um dia não haverá perguntas de todo e eles saberão experimentar em vez de perguntar. E tudo isto, no fundo, é uma experiência.

Vanessa

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