terça-feira, 23 de maio de 2017

Obviamente

Tive um professor que dizia que o óbvio não se diz nem se pergunta. Como é óbvio, a tal declaração sucederam-se vários pedidos de esclarecimento, até porque, sensatos alunos que éramos, já em novos sabíamos que muita coisa no mundo é relativa, incluindo juízos de valor, de quantidade, de obvietude. Que inquietude.

Anos a seguir, que é como quem diz, já eu era bem mais velha do que aquando da declaração, comecei a reparar que o que para mim é óbvio obviamente não o é para a restante humanidade, incluindo e talvez em exclusivo aquilo que para mim, além de óbvio, é também senso comum. Correndo aí o risco de soar condescendente ou imatura por ter de referir o óbvio quando não conheço do indivíduo o que importa saber para adequar o discurso em conformidade, acabo por ter de explicar em minúcia ou solicitar o que já estava implícito.

Tempo mais adiante ainda, hoje em dia o óbvio é apenas adereço. Esqueci o que aprendi, e muito especialmente esqueci o que o professor solicitara, porque hoje em dia dou por mim a ter de repetir o óbvio frequentemente. 

Eu culpo as tecnologias. O acervo tecnológico de uma pessoa é claramente inversamente proporcional à capacidade de essa pessoa compreender senso comum e agir como uma pessoa adulta dos anos 90.

Às mulheres, a tecnologia proliferou a certeza de uma igualdade que ainda não se concretizou. Nessa lógica, a internet mostra-nos exemplos de como ainda falta tanto para evoluirmos ou ideias para conseguirmos chegar ao primórdio da igualdade. Aos homens, a tecnologia abriu caminho a uma imaturidade nunca antes vista, que se multiplica num sem fim de engenhocas. A internet desdobra-se em páginas de possibilidades, olha botões e penduricalhos e tanta coisa que este gadget pode fazer por ti para que tu possas ficar aí sem fazer nada.

Estou confiante na minha própria parcialidade. Arrisco dizer que as circunstâncias estão assim divididas porque as mulheres ainda têm muito para fazer antes de se poderem divertir com gadgets. Há alturas em que uma pessoa precisa de generalizar para poder desfrutar da catarse que é falar mal de outrem. Perdoem-me.

Mas isto do óbvio não é apenas pretexto para falar mal dos homens, que uma pessoa até gostava de o fazer, mas não pode citar nomes e muito menos exemplos, porque agora não tenho um blogue anónimo e depois ficava sem amigos. Posso muito bem agora espetar aqui um exemplo que me contorce as entranhas desde que o fenómeno começou: ter de pedir para colocar manteiga nas sandes. No tempo daquele meu professor que falava do óbvio como se ele fosse óbvio, não era preciso pedir manteiga nas sandes em lado algum.

Obviamente, hoje em dia não compro sandes no café para não ter de pedir o óbvio. Poupa-se dinheiro e poupa-se paciência. Será isto uma metáfora? Obviamente. Dá para adequar ao que for preciso, a bem da sanidade.

Se eu me pusesse para aqui a escrever aquilo que é óbvio, perdia-se o propósito deste texto.

Vanessa

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